Entrevista. Dom Fernando Arêas Rifan para a Revista In Guardia.

Entrevista de Dom Fernando Arêas Rifan exclusiva para a Revista Eletrônica In Guardia publicada em 06/06/2012.


In Guardia: Como é sempre bom começar do começo, o Sr. pode nos dizer como foi a descoberta de sua vocação sacerdotal?

Dom Fernando: Por pura bondade de Deus, eu nasci numa família católica. Meus avós eram muito piedosos, pessoas de oração. Meu pai era congregado mariano, presidente da obra social da paróquia – dispensário do Divino Espírito Santo – e minha mãe do Apostolado da Oração. Eu fui, desde cedo, da cruzada eucarística, coroinha e cantor do coral na minha igreja matriz. Nesse ambiente, surgiu a minha vocação, meu desejo de ser padre, como eram os padres que eu conhecia. Isso estou falando do que acontecia comigo, subjetivamente, porque na verdade não fui eu que escolhi ser padre, foi Nosso Senhor que me chamou. Apesar de filho único, entrei para o seminário aos 12 anos de idade. E lá fiquei por 12 anos, até a minha ordenação sacerdotal, aos 24 anos de idade. Hoje tenho 37 anos de sacerdócio e 10 anos de episcopado.  

In Guardia: Por que escolheu a então União Sacerdotal São João Maria Vianney para exercer seu sacerdócio?

Dom Fernando: As coisas não eram assim naquele tempo. Era uma paróquia, uma diocese e um seminário normais. Entrei para o seminário diocesano, da Diocese de Campos, em 1963, e fui ordenado sacerdote pelo então Bispo Diocesano de Campos, Dom Antônio de Castro Mayer, na Catedral Diocesana, em 1974. Fui nomeado diretor diocesano do ensino religioso e pároco da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, cargo que exerci por 10 anos, além de secretário do Bispo. Tudo isso na Diocese de Campos. Não havia, naquela época, a União Sacerdotal, que só foi criada em meados dos anos 80.

In Guardia: Sabemos que a Administração Apostólica São João Maria Vianney tem um formato, digamos assim, diferente de Dioceses e Arquidioceses às quais estamos acostumados. O Sr. pode nos explicar um pouco sobre como funciona dentro do Direito Canônico?

Dom Fernando: A União Sacerdotal reunia os padres que foram tirados das suas paróquias e igrejas pelo Bispo sucessor de Dom Antônio. Eles continuaram atendendo o povo, em capelas particulares, numa situação canonicamente anormal e mesmo irregular. Isso durou até o ano 2001, quando o Beato Papa João Paulo II transformou a união sacerdotal em Administração Apostólica, para regularizar aquela situação e conservar na plena comunhão da Igreja esses sacerdotes (eram 25) e fiéis ligados às formas litúrgicas e disciplinares anteriores do Rito Romano (Liturgia de São Pio V).   
            Canonicamente, a Administração Apostólica é uma circunscrição eclesiástica equiparada a uma Diocese (C.D.C. cânon 368), uma porção do povo de Deus, cujo cuidado pastoral é confiado a um Administrador Apostólico, que a governa em nome do Sumo Pontífice (cânon 371 §2). Ela se compõe, como as outras dioceses, de paróquias, párocos, seminário próprio, cúria, religiosas, religiosos, catequistas e fiéis em geral.     
A Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney foi criada pelo Decreto “Animarum bonum”, da Sagrada Congregação para os Bispos, de 18 de janeiro de 2002, oficializando juridicamente a vontade de Sua Santidade, o Papa João Paulo II, expressa na carta autógrafa "Ecclesiae unitas", de 25 de dezembro de 2001. Eu sou o atual Bispo Administrador Apostólico, membro do Regional Leste 1 e da CNBB, de cujas reuniões participo normalmente.
Já faz 10 anos da criação da nossa Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, evento que celebraremos durante todo esse ano de 2012, usando como lema a frase do salmo 88: “Misericordias Domini in aeternum cantabo” – “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor”, e como tema: “10 anos de graças: gratidão, reflexão e missão”.

In Guardia: A Administração Apostólica tem hoje quantas paróquias, clérigos, seminaristas e atinge quantos leigos efetivamente?

Dom Fernando: Hoje a Administração Apostólica tem 33 padres incardinados, 13 paróquias, 3 Reitorias, umas 130 Igrejas e lugares de Missa, 35 seminaristas. Temos umas cem religiosas, 15 escolas e 2 asilos. Temos muitas associações religiosas tradicionais e catequistas. Os fiéis são cerca de 30 mil. Mas a Administração Apostólica é aberta, para todos que desejarem nela entrar, no território coincidente com a Diocese de Campos.

In Guardia: Como o Sr. vê a atual conjuntura das vocações sacerdotais, tanto dentro como fora da Administração Apostólica?

Dom Fernando: O número dos nossos seminaristas sempre foi nessa margem. Mas sentimos a falta de mais vocações, mesmo aqui na Administração Apostólica. O baixo número de vocações em geral se deve à secularização da sociedade, ao hedonismo reinante, à tibieza e falta de oração, à decadência das famílias católicas, à falta de espírito de heroísmo e tendência individualista entre os jovens. É claro que também a crise na Igreja influenciou e influencia no baixo número de vocações.

In Guardia: Uma dúvida comum de muitos seminaristas e também clérigos que nos acompanham é como funciona a formação dos seminaristas. Existe alguma diferença fora do padrão de normalidade dos demais seminários? Quais as matérias estudadas por eles e o que deles é exigido?

Dom Fernando: A formação dos nossos seminaristas é regulada pela Congregação para a Educação Católica (para os Seminários e as Instituições de Estudos), que aprovou nosso programa de estudos e regulamento. Aqui, portanto, se estudam todas as matérias exigidas nos demais seminários e o regulamento é semelhante: oração, retiros espirituais, conferências, vida de comunidade, estudo, aulas, recreios, esporte, passeios, distrações etc. A diferença está na disciplina mais tradicional e na Liturgia, porque, como toda a Administração, conservamos a forma antiga do Rito Romano e o primado do canto gregoriano, ao lado do polifônico. Temos uma equipe de bons padres formadores que se ocupa do nosso Seminário.

In Guardia: Ainda sobre a Fraternidade Sacerdotal São Pio X temos um Motu Proprio datado de 1988 chamadoEcclesia Dei que, embora pequeno, tratou de forma bem direta as ordenações feitas por D. Lefebvre e a não autorização por parte da Santa Sé. Pois bem, à época o Sr. já fazia parte da então União Sacerdotal São João Maria Vianney. Como o Sr. e seus contemporâneos viram, à época toda a situação? O Sr. pode nos contar um pouco dessa história?

Dom Fernando: Nós não éramos nem somos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, mas sim padres diocesanos que com eles tínhamos em comum a Liturgia na forma antiga e a formação tradicional. Foi um tempo de perseguição mais forte à Missa na forma antiga e aos católicos que a conservavam. Na ocasião, víamos as ordenações feitas por Dom Lefebvre como algo que seria necessário, devido à crise, um caso de necessidade. Por isso as apoiamos.
Depois, estudamos melhor os documentos do Magistério, especialmente a Encíclica Ad Apostolorum Principis, de Pio XII, o Motu Proprio Ecclesia Dei Adflicta de João Paulo II e especialmente a “Nota Explicativa” do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, de 24 de agosto de 1996 (mas que só conhecemos no ano 2001), sobre a interpretação autêntica desse Motu Proprio Ecclesia Dei, onde, sobre o “estado de necessidade no qual Mons. Lefebvre pensava se encontrar” se explica que “deve-se ter presente que tal estado deve verificar-se objetivamente, e que não se dá jamais uma necessidade de ordenar Bispos contra a vontade do Romano Pontífice, Cabeça do Colégio dos Bispos. Isto de fato significaria a possibilidade de ‘servir’ a Igreja mediante um atentado contra a sua unidade em matéria conexa com os próprios fundamentos desta unidade”. Então chegamos à conclusão que não se poderia jamais ter tomado aquela atitude, que realmente seria contra a doutrina e a Tradição da Igreja.
In Guardia: Ainda sobre a FSSPX e o Motu Próprio Ecclesia Dei quanto menciona as ordenações desautorizadas, nesse documento foi expressamente mencionado que (...) “tal ato foi uma desobediência ao Romano Pontífice em matéria gravíssima” (...) e ainda (...)”A raiz deste ato cismático pode localizar-se numa incompleta e contraditória noção de Tradição.” É assim que hoje a Administração Apostólica concebe aquela atitude?
Dom Fernando: Com já disse acima, tal conclusão se impõe a quem tem como critério de verdade e orientação o Magistério da Igreja, como temos e devemos ter.
A Nota Explicativa do Motu Proprio, citada acima, falando dessas ordenações episcopais contra a vontade do Papa, procura esclarecer: “Parece antes de tudo que o cisma de Mons. Lefebvre foi declarado em relação imediata com as ordenações episcopais realizadas em 30 de junho de 1988 sem o mandato pontifício (cf. CIC, can. 1382). Todavia, aparece ainda claramente pelos precedentes documentos que tal gravíssimo ato de desobediência constituiu a consumação de uma progressiva situação global de índole cismática”.
É pelo Magistério vivo da Igreja que se pauta a nossa Administração Apostólica. Portanto, vemos aquela atitude do mesmo modo que a vê o Magistério.
 A propósito, escrevi minha Orientação Pastoral – O Magistério vivo da Igreja, onde explico bem a nossa posição. Se mudamos alguma atitude nossa, foi para nos adequarmos às orientações do Magistério. Cito alguns trechos:
Muitas vezes, na ânsia de defender coisas corretas e sob pressão dos ataques dos opositores, mesmo com reta intenção podem-se cometer erros e exageros que, após um período de maior reflexão, devem ser retificados e corrigidos. São Pio X comentava que no calor da batalha é difícil medir a precisão e o alcance dos golpes. Daí acontecerem faltas ou excessos, compreensíveis, mas incorretos. Erros podem ser compreendidos e explicados, mas não justificados. Santo Tomás de Aquino nos ensina: “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção” (Decem praec. 6 (cf. C.I.C. 1759)”.
“Por essa razão, em carta ao Papa de 15/8/2001, os sacerdotes da antiga União Sacerdotal São João Maria Vianney, agora constituída pelo Papa em Administração Apostólica[1], escreveram: "E se, por acaso, no calor da batalha em defesa da verdade católica, cometemos algum erro ou causamos algum desgosto a Vossa Santidade, embora a nossa intenção tenha sido sempre a de servir à Santa Igreja, humildemente suplicamos o seu paternal perdão"”.
“É preciso sempre ajustar a prática com os princípios que defendemos. Se reconhecemos as autoridades da Igreja é preciso respeitá-las como tais, sem jamais, ao atacar os erros, desprestigiá-las. Se houve algum erro ou exagero no passado quanto a isso, não há nada de mais em se corrigir o erro. Os princípios, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição aos erros condenados pela Igreja continuam os mesmos. O que é preciso é evitar as generalizações, ampliações e atribuições indevidas e injustas. A justiça e a caridade, mesmo no combate, são imprescindíveis. Se houve alguma falha também nesse ponto, corrigir-se não é nenhum desdouro. Afinal, errar é humano, perdoar é divino, corrigir-se é cristão e perseverar no erro é diabólico”.
Também ali explico a correta noção de Tradição, conforme o Magistério da Igreja. E no meu livro “Considerações sobre as formas do Rito Romano”, esclareci bem: “A Igreja ensina que a consciência subjetiva do fiel ou do teólogo não é critério de verdade porque tal consciência subjetiva “não constitui uma instância autônoma e exclusiva para julgar a validade de uma doutrina... Opor ao Magistério da Igreja um magistério supremo de consciência é admitir o princípio do livre-exame, incompatível com a economia da Revelação e da sua transmissão na Igreja, assim como uma concepção correta da teologia e da função do próprio teólogo. Os enunciados da Fé não resultam de uma investigação puramente individual e de um livre exame da Palavra de Deus, mas constituem uma herança eclesial. Se alguém se separa dos Pastores, que velam por manter viva a tradição apostólica, é a ligação com Cristo que se encontra irreparavelmente comprometida” (CDF, Instrução Donum Veritatis).
É o Magistério que me faz conhecer o que pertence ou não à Tradição apostólica: não sou eu que deve julgar o Magistério em função do que posso compreender da Tradição. Se o Magistério não está acima da Tradição nem da Sagrada Escritura, está acima de todas as nossas interpretações da Tradição e da Sagrada Escritura. Isto é o que explicou claramente o Beato João Paulo II ao então Cardeal Joseph Ratzinger: “... não é o antigo como tal nem o novo em si mesmo o que corresponde ao conceito exato da Tradição na vida da Igreja. Este conceito designa, com efeito, a fidelidade duradoura da Igreja à verdade recebida de Deus através dos acontecimentos mutáveis da história. A Igreja, como o pai de família do Evangelho, tira com sabedoria ‘de seu tesouro o velho e o novo’ (cf. Mt 13,52), mantendo-se na obediência absoluta ao Espírito da Verdade que Cristo entregou à sua Igreja como guia divino. Esta delicada tarefa de discernimento a Igreja a cumpre por meio de seu Magistério autêntico (cfLG 25) (Carta In questo periodo ao Cardeal Ratzinger (04-VIII-1988: AAS, 1988, pgs. 1121-1125).


In Guardia: Passando ao Motu Proprio Summorum Pontificum o que o Sr. tem a nos dizer sobre a disseminação do rito extraordinário em meio a Dioceses que antes sequer imaginavam celebrar no rito antigo?

Dom Fernando: O Motu Proprio  Summorum Pontificum foi grandemente aplaudido por nós e, graças a ele, pouco a pouco, muitas dioceses têm adotado a Missa na forma antiga. Creio que o Motu Proprio serviu para dirimir muitos preconceitos. O Santo Padre Bento XVI explicou que ele deseja a paz litúrgica na Igreja e que a Missa na forma extraordinária poderá fazer muito bem à Liturgia em geral. Esperamos que isso aconteça mais e mais. Aqui no Brasil, as coisas estão andando devagar, pouco a pouco.

In Guardia: O que o Sr. diria para os párocos que desejam celebrar no rito Tridentino, mas encontram alguma barreira de ordem pastoral? Como agir?

Dom Fernando: Os párocos, tendo formação tradicional, vão compreender o que disse o Papa: que a Missa celebrada na forma antiga só poderá fazer bem. É claro que é preciso ter correta orientação e adesão ao Magistério da Igreja. E os párocos têm autorização dada diretamente pelo Santo Padre para a celebrarem e permitirem sua celebração.

In Guardia: Presenciamos em várias Dioceses uma quantidade razoavelmente grande de sacerdotes que gostariam de celebrar no rito Tridentino, contudo o ensino do latim nos seminários não foi bem feito ou simplesmente não aconteceu. Existe alguma forma mais fácil para esses sacerdotes aprenderem o rito?

Dom Fernando: A nossa Administração Apostólica, em parceria com outras dioceses, tem promovido pelo Brasil “Encontros Summorum Pontificum”, para incentivar e ensinar aos sacerdotes a Missa na forma extraordinária. O primeiro encontro foi na Diocese de Garanhuns, em 2010, o segundo na Arquidiocese do Rio de Janeiro, em 2011, e o terceiro será na Arquidiocese de Salvador, Bahia, de 14 a 18 de setembro próximos, com um dia aberto aos leigos. Estamos preparando também cursos práticos de latim litúrgico. Para celebrar a Missa na forma extraordinária os sacerdotes devem conhecer o latim, ao menos básico, e saber pronunciá-lo bem. Há muitos missais bilíngues que poderão ajudar na tradução.

In Guardia: Passando às recentes notícias sobre as “negociações” entre a Santa Sé e a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, o que o Sr. pode nos dizer sobre as expectativas?

Dom Fernando: A expectativa é grande. Temos um grande desejo de que eles regularizem sua situação canônica e resolvam logo esse problema da plena comunhão com a Igreja. Pode ser muito difícil, dado a posição que eles tomaram e que muitos deles mantêm, segundo seus escritos atuais. Mas, para Deus, nada é impossível. Rezemos. E, se eles regularizarem sua situação com a Igreja e afinarem sua doutrina com a do Magistério, serão muito bem-vindos e ficaremos alegres com isso. Nós também recebemos a mesma graça.
            Aliás, quando o Santo Padre lhes levantou a excomunhão, para facilitar o caminho deles à plena comunhão, eu escrevi aos quatro Bispos da Fraternidade:
“Eu e toda nossa Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, seus sacerdotes e fiéis, os felicitamos e nos congratulamos de todo o coração com V. Exas. pelo levantamento das excomunhões que vos atingiam e agradecemos ao Santo Padre por este gesto de paternal misericórdia e generosidade, que terá uma frutuosa repercussão em toda a Igreja. Como nós também fomos objeto da mesma bondade do Santo Padre, que levantou a excomunhão de Dom Licínio Rangel em novembro de 2001, o que nos conduziu à nossa completa regularização em 18 de janeiro de 2002, nós estaremos sempre em oração para que V. Exas. possam também chegar à completa regularização de toda a Fraternidade São Pio X, como o desejou o Papa. Nós confiamos todo esse caso ao Imaculado Coração da Santíssima Virgem, a quem V. Exas. com tanta confiança recorreram para a sua solução”. 


In Guardia: A FSSPX tem a teoria de que as discussões com a Santa Sé têm como fim mostrar às autoridades eclesiásticas que a Fraternidade está plenamente unida ao Magistério perene da Igreja Católica Apostólica Romana, à doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou como se diz, à Tradição da Igreja, ou seja, que não haveria qualquer perigo de heresia, de ensino contrário à doutrina dos Papas. Seria essa mesma a situação ou o Sr. vê de outra forma?

Dom Fernando: Se a Santa Sé aceitar isso, julgando assim, ótimo. Se eles acertarem os ponteiros doutrinários e corrigirem, daqui em diante, muitas afirmações e atitudes não perfeitamente consoantes com a doutrina católica, a reconciliação será perfeita.
A Santa Sé disse que o problema deles é doutrinário. Deles. Eles reconhecem que o problema é doutrinário, mas dizem que não é deles, mas da Santa Sé, da Igreja (!). Rezemos para que eles afinem sua doutrina com o Magistério vivo da Igreja. Afinal, é dogma de Fé, definido pelo Concílio Ecumênico Vaticano I, que “esta Sé de São Pedro permanece imune de todo erro, segundo a promessa de Nosso Divino Salvador feita ao Príncipe de Seus Apóstolos: ‘Eu roguei por ti, para que tua Fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos’ (Lc 22,32)” (Const, Dog. “Pastor Aeternus”, sobre a Igreja de Cristo, D-S 3070 e 3071). Esse mesmo Concílio Ecumênico Vaticano I define que “este carisma da verdade e da fé, que nunca falta, foi conferido a Pedro e a seus sucessores nesta cátedra...” (Const, Dog. “Pastor Aeternus”, sobre a Igreja de Cristo, D-S 3070 e 3071). Como disse São Pio X: “O primeiro e maior critério da fé, a regra suprema e inquebrantável da ortodoxia é a obediência ao magistério sempre vivo e infalível da Igreja, estabelecido por Cristo columna et firmamentum veritatis, a coluna e o sustento da verdade.” (Alocução Cum vera soddisfazione, de 10/5/1909). Arvorar-se em juiz ou critério de verdade no lugar do Magistério ou em juiz do Magistério seria pretensão descabida.

In Guardia: Por diversas vezes vemos membros da FSSPX e mesmo pessoas não ligadas a ela, mas que tem uma identidade de mais forte ligação com ela, afirmarem que o Rito Novo favorece o surgimento de heresias e isso pode levar a crer que, por esse motivo, não é legítimo. Como o Sr. vê tais afirmações?

Dom Fernando: Esta opinião sobre a ilegitimidade do Rito Novo não está de acordo com a doutrina católica e, por isso mesmo, não é aprovada pelo Papa Bento XVI, cuja posição é bem outra.
Com efeito, o Santo Padre, o Papa Bento XVI, em sua Carta aos Bispos que acompanha o Motu Proprio Summorum Pontificum, afirma expressamente, como sendo algo óbvio e lógico: “Obviamente, para viver a plena comunhão, também os sacerdotes das Comunidades que aderem ao uso antigo, não podem, em linha de princípio, excluir a celebração segundo os novos livros. De fato, não seria coerente com o reconhecimento do valor e da santidade do rito a exclusão total do mesmo”. Está claro, portanto, nas palavras do Santo Padre, que se deve reconhecer o valor e a santidade da nova liturgia, e, em consequência, não excluí-la totalmente.  
Na minha Orientação Pastoral – O Magistério vivo da Igreja, e no meu livro “Considerações sobre as formas do Rito Romano”, explico bem:
“Levados pelo legítimo desejo de conservar a riqueza litúrgica do rito tradicional e chocados, com razão, em sua fé e piedade com os abusos, sacrilégios e profanações a que deu azo a reforma litúrgica, os católicos da linha tradicional, não querendo ver a “liturgia transformada em show” (Card. Ratzinger) nem querendo compartilhar com erros e profanações que viam, apegaram-se legitimamente às formas tradicionais da liturgia. Por isso, merecem toda a nossa compreensão, nossos louvores e nosso apoio todos os que lutam pela preservação da Liturgia na sua forma tradicional”.
“Assim também, em nossa Administração Apostólica, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé, conservamos o rito da Missa na sua forma tradicional, isto é, a antiga forma do Rito Romano, como o fazem igualmente muitas congregações religiosas, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo. Nós a amamos, preferimos e conservamos por ser, para nós, melhor expressão litúrgica dos dogmas eucarísticos e sólido alimento espiritual, pela sua riqueza, beleza, elevação, nobreza e solenidade das cerimônias, pelo seu senso de sacralidade e reverência, pelo seu sentido de mistério, por sua maior precisão e rigor nas rubricas, apresentando assim mais segurança e proteção contra abusos, não dando espaço a “ambigüidades, liberdades, criatividades, adaptações, reduções e instrumentalizações”, como lamenta o Papa João Paulo II (Enc. Ecclesia de Eucharistia). E a Santa Sé reconhece essa nossa adesão como perfeitamente legítima. Assim, por ser uma das riquezas litúrgicas católicas, exprimimos através da Missa na sua forma tradicional o nosso amor pela Santa Igreja e nossa comunhão com ela”.
“Mas jamais se pode usar a adesão à Liturgia tradicional em espírito de contestação à autoridade da Igreja ou de rompimento de comunhão. Há que se conservar a adesão à tradição litúrgica sem pecar contra a sã doutrina do Magistério e sem jamais ofender a comunhão eclesial. Ensina o Papa João Paulo II: ‘A diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas pode também provocar tensões, incompreensões recíprocas e até mesmo cismas. Neste campo, é claro que a diversidade não deve prejudicar a unidade. Esta unidade não pode exprimir-se senão na fidelidade à fé comum ... e à comunhão hierárquica’ (Carta apostólica Vigesimus quintus annus)”.
“Os limites, impostos pela teologia católica às reservas e críticas, nos impedem, por exemplo, de dizer que o Novus Ordo Missae, a Missa promulgada pelo Santo Padre Paulo VI, seja heterodoxa ou não católica. A sua promulgação (feita pelo Papa Paulo VI e reeditada duas vezes por João Paulo II e confirmada pelo Papa Bento XVI) (forma, no sentido filosófico) é a garantia contra qualquer irregularidade doutrinal que pudesse ter havido na sua confecção (matéria), embora ela possa ser melhorada na sua expressão litúrgica. E é a sua promulgação oficial, e não o modo de sua confecção, que a torna um documento do Magistério da Igreja”.  
“Quem, na teoria ou na prática, considerasse a Nova Missa, em si mesma, como inválida, sacrílega, heterodoxa ou não católica, pecaminosa e, portanto, ilegítima, deveria tirar as lógicas consequências teológicas dessa posição e aplica-la ao Papa e a todo o Episcopado residente no mundo, isto é, a toda a Igreja docente: ou seja, sustentar que a Igreja oficialmente tenha promulgado, conserve há décadas e ofereça todos os dias a Deus um culto ilegítimo e pecaminoso – proposição reprovada pelo Magistério (cf. notas 70 e 71) - e que, portanto, as portas do Inferno tenham prevalecido contra ela, o que seria uma heresia. Ou então estaria adotando o princípio sectário de que só ele e os que pensam como ele são a Igreja e que fora deles não há salvação, o que seria outra heresia. Ademais isso não vem significar absolutamente que estejamos aprovando abusos e profanações que ocorrem até com certa frequência em Missas celebradas no novo rito. Estamos falando do rito em latim tal qual foi promulgado pelo Santo Padre Paulo VI e aprovado pelos seus sucessores”.

In Guardia: Alguns entendem que a melhor forma de “legalização” da situação da FSSPX seria a criação de uma Prelazia Pessoal. Esse seria o melhor caminho?

Dom Fernando: Após a afinação doutrinária, creio que essa seria a melhor solução, como foi o nosso caso, a criação da Administração Apostólica Pessoal. Mas isso depende muito das implicações canônicas e da convivência com os Bispos nas suas respectivas dioceses. Creio que a Santa Sé está examinando esta possibilidade.

In Guardia: O Sr. sempre tentou deixar bem claro em seus textos a diferença entre o sagrado e o profano no ambiente propício para a celebração da Santa Missa. O que o Sr, pode indicar como profano no Rito de Paulo VI, não dentro dos abusos reconhecidamente cometidos, mas em relação ao rito como consta nas rubricas? Existe esse ponto que podemos chamar “profano”?

Dom Fernando: Não posso dizer que haja algo de profano num rito aprovado oficialmente pela Igreja, como é o caso da forma ordinária do Rito Romano. E se houvesse algo profano, foi sacralizado pela aprovação da Igreja.
Mas, como já explicamos, isso não quer dizer que o rito seja o melhor possível e que não possa ser melhorado. Eu creio que o rito ordinário, por não ser tão preciso e exigente nas rubricas como é o rito na forma extraordinária, pode dar azo a muitos abusos, devido ao ambiente atual e à falta de formação teológica e litúrgica de muitos.  
Por exemplo, a fórmula do  rito atual: “com essas ou com palavras semelhantes” (his vel similibus verbis), foi escrita para pessoas de boa formação e de bom senso. Mas, para os que não os têm, pode ser ocasião de introduzir muitas coisas profanas, como nas saudações de início e fim da Santa Missa. Como comentou o então Cardeal Ratzinger: “No novo Missal, encontramos muito frequentemente fórmulas como: sacerdos dicit sic vel simili modo(o sacerdote diz assim ou de modo semelhante)... ou então: hic sacerdos potest dicere (aqui o sacerdote pode dizer)... Esta fórmula do Missal oficializa de fato a criatividade; o padre se sente quase obrigado a mudar um pouco as palavras, de mostrar que ele é criativo, que ele torna presente à sua comunidade esta liturgia; e com esta falsa liberdade que transforma a liturgia em catequese para esta comunidade, destrói-se a unidade litúrgica e a eclesialidade da liturgia” (Card. Ratzinger, Autour de la question liturgique, 24 juillet 2001, Fontgombault).
Outro exemplo: a possibilidade de se introduzir instrumentos considerados profanos, tais como guitarras e baterias. Antigamente, e o seguimos na forma extraordinária, não se podia tocar na Igreja quaisquer instrumentos de percussão, cujo som e timbre criam um ambiente profano. Aliás, até hoje, é recomendado o uso do órgão, como o instrumento mais próprio para a Igreja, o que infelizmente não é observado em muitos lugares.






[1] “Neste tempo forte do vosso ministério episcopal, que é a visita ad limina, é para mim uma grande alegria acolher a vós que tendes o encargo pastoral da Igreja na Região Leste 1 do Brasil, da qual fazem parte as dioceses do estado do Rio de Janeiro e a ‘União São João Maria Vianney’, que eu quis constituir em Campos como Administração Apostólica Pessoal” – Discurso do S. Padre o Papa João Paulo II aos bispos do Regional Leste 1, na visita ad limina, 5 de setembro de 2002. 

NATAL HOJE E SEMPRE

             “Transcorridos muitos séculos desde que Deus criou o mundo e fez o homem  à sua imagem; - séculos depois de haver cessado o dilúvio, quando o Altíssimo fez resplandecer o arco-íris, sinal de aliança e de paz; - vinte e um séculos depois do nascimento de Abraão, nosso pai; - treze séculos depois da saída de Israel do Egito, sob a guia de Moisés; - cerca de mil anos depois da unção de Davi, como rei de Israel; - na septuagésima quinta semana da profecia de Daniel; - na nonagésima quarta Olimpíada de Atenas; - no ano 752 da fundação de Roma; - no ano 538 do edito de Ciro, autorizando a volta do exílio e a reconstrução de Jerusalém; - no quadragésimo segundo ano do império de César Otaviano Augusto, enquanto reinava a paz sobre a terra, na sexta idade do mundo: JESUS CRISTO DEUS ETERNO E FILHO DO ETERNO PAI, querendo santificar o mundo com a sua vinda, foi concebido por obra do Espírito Santo e se fez homem; transcorridos nove meses, nasceu da Virgem Maria, em Belém de Judá. Eis o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a natureza humana. Venham, adoremos o Salvador! Ele é Emanuel, Deus Conosco”. Este é o solene anúncio oficial do Natal, feito pela Igreja na primeira Missa da noite de Natal!
            O Natal é a primeira festa litúrgica, o recomeçar do ano religioso, como a nos ensinar que tudo recomeçou ali. O nascimento de Jesus foi o princípio da revelação do grande mistério da Redenção que começava a se realizar e já tinha começado na concepção virginal de Jesus, o novo Adão. Deus queria que o seu projeto para a humanidade fosse reformulado num novo Adão, já que o primeiro Adão havia falhado por não querer se submeter ao seu Senhor, desejando ser o senhor de si mesmo e juiz do bem e do mal. Assim, Deus enviou ao mundo o seu próprio Filho, o Verbo eterno, por quem e com quem havia criado todas as coisas. Esse Verbo se fez carne, incarnou-se no puríssimo seio da Virgem, por obra do Espírito Santo, e começou a ser um de nós, nosso irmão, Jesus. Veio ensinar ao homem como ser servo de Deus. Por isso, sendo Deus, fez-se em tudo semelhante a nós, para que tivéssemos um modelo bem próximo de nós e ao nosso alcance. Jesus é Deus entre nós, o “Emanuel – Deus conosco”. Assim, o Natal traz lições para todas as épocas do ano.
São Francisco de Assis inventou o presépio, a representação iconográfica do nascimento de Jesus, para que refletíssemos nas grandes lições desse maior acontecimento da história da humanidade, seu marco divisor, fonte de inspiração para pintores e místicos.
Que tal se fizéssemos um Natal contínuo, pensando mais no divino Salvador, na sua doutrina, no seu amor, nas virtudes que nos ensinou, unindo-nos mais a ele pela oração e encontro pessoal com ele, imitando o seu exemplo, praticando a caridade, convivendo melhor com nossa família...

Desse modo a mensagem do Natal vai continuar durante todo o Ano Novo, que assim será abençoado e feliz. FELIZ NATAL E ABENÇOADO ANO NOVO!

UM NATAL FELIZ E ALEGRE

          Em companhia de Maria e José, ouvindo as palavras do profeta Isaías e de João Batista: “Preparai o caminho para a vinda do Senhor” (Is 40, 3) e incentivados por São Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor” (Fl 4,4), estamos nos preparando para um Natal feliz e alegre, como foi o primeiro Natal. Nasceu Jesus, o Messias! Deus se fez homem! E os anjos anunciaram aos pastores essa felicidade. A reaparição da estrela misteriosa fez renascer a alegria e a felicidade no coração dos Magos que vieram do Oriente (Mt 2, 10).
Segundo a filosofia (Cícero e Boécio), felicidade é o estado constituído pelo acúmulo de todos os bens com a ausência de todos os males. Então, como poderemos chamar feliz um Natal onde houve desprezo, rejeição – Jesus nasceu numa estrebaria por falta de lugar para Ele nas casas e nas hospedarias -, lágrimas, gritos, morte, luto – Herodes, perseguindo Jesus, mandou matar as crianças de Belém – fuga, desterro, pobreza, sacrifícios? Realmente, felicidade perfeita, na definição filosófica, só se encontrará no Céu, na Jerusalém celeste, onde Deus “enxugará toda a lágrima dos seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque tudo isto passou” (Ap 21,4).
É a grande lição do Natal: é possível ser feliz na dor, no desprezo, no luto, aqui na terra. Aqui, a felicidade consiste em ter Jesus, em estar com Jesus, em amar Jesus de todo o coração, com a esperança de tê-lo perfeitamente um dia no Céu. Talvez tenha sido essa a felicidade que Assis Valente, autor de “Anoiteceu”, não conhecia quando a pediu ao Papai Noel. Talvez por isso tenha se matado, pois ele e ela, como ele imaginava, não vieram.
O cristão é otimista e feliz, por causa da esperança. Mesmo quando sofre. Por isso, o primeiro Natal foi cheio de felicidade. A pobre estrebaria de Belém era o Céu. Ali faltava tudo e não faltava nada. Ali estava a felicidade que a todos encheu de alegria: Jesus.      
       “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (Papa Francisco, Evangelii gaudium, 1). O presépio de Belém é o princípio da pregação de Jesus, o resumo do seu Evangelho. Daquele pequeno púlpito, silenciosamente, ele nos ensina o desprezo da vanglória desse mundo, o valor da pobreza e do desprendimento, o nada das riquezas, a necessidade da humildade, o apreço das almas simples, a paciência, a mansidão, a caridade para com o próximo, a harmonia na convivência humana, o perdão das ofensas, a grandeza de coração, enfim, as virtudes cristãs que fariam o mundo muito melhor, se as praticasse.
      É por isso que o Natal cristão é festa de paz e harmonia, de confraternização em família, de troca de presentes entre amigos, de gratidão e de perdão. Pois é a festa daquele que, sendo Deus, tornou-se nosso irmão aqui na terra, ensinando-nos o que é a felicidade.

   É assim que desejo a você, caro/a leitor/a, um verdadeiro ALEGRE E FELIZ NATAL!  

NOSSA SENHORA DO Ó

              Advento é o tempo da expectativa e preparação do Natal. Nas Vésperas dos dias que antecedem a grande festa natalina, cantam-se as belíssimas antífonas latinas que começam com a exclamação de desejo “Ó!”: Ó Sabedoria, Ó Adonai, Ó Raiz de Jessé, Ó Chave de Davi, Ó Oriente, Ó Rei das Nações, Ó Emanuel, palavras das antigas profecias bíblicas, referentes ao Salvador cujo nascimento celebraremos no Natal.
            O modelo para nós de expectativa do Messias é a sua Mãe, Maria Santíssima. Por causa dessas antífonas da expectação, o povo deu a ela o título de Nossa Senhora do Ó. É uma devoção muito antiga, surgida na Espanha e em Portugal. Aqui no Brasil, em São Paulo, temos a “Freguesia (paróquia) do Ó”, bairro, onde se encontra a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Expectação do Ó, cuja construção começou em 1610.
              A devoção a Nossa Senhora é inata no povo católico. Enquanto os teólogos, durante séculos, discutiam a base teológica da Imaculada Conceição da Virgem Maria – o dogma de fé só foi proclamado por Pio IX no dia 8 de dezembro de 1864 -, o povo católico já a cultuava por toda a parte. Desde os primeiros séculos, os cristãos já honravam essa prerrogativa de Maria. No século VIII, o culto foi autorizado nas igrejas. A partir do século XII, espalhou-se a celebração dessa festa. Clemente XI, em 1708, a elevou a festa de preceito. Fizeram há pouco uma pesquisa na França sobre quem acreditava no pecado original. 70% afirmaram que não. Mas à pergunta sobre quem acreditava na Imaculada Conceição, 70% afirmaram que sim!
Amanhã celebraremos Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina. Sob diversos nomes, Maria Santíssima é patrona de muitos países do Novo Mundo, e sua devoção está no coração de todos. Mas, no discurso inaugural da Conferência do CELAM, em Aparecida, o Santo Padre, o Papa Bento XVI, constatava: “Percebe-se certo enfraquecimento da vida cristã no conjunto da sociedade e da própria pertença à Igreja Católica”. Em cima dessa afirmação, os Bispos da América Latina e do Caribe, reconhecendo os aspectos positivos da evangelização do nosso continente, que nos alegram, não deixaram de reconhecer algumas sombras: “Observamos que o crescimento percentual da Igreja não segue o mesmo ritmo que o crescimento populacional... Verificamos, deste modo, uma mentalidade relativista no ético e no religioso.... Nas últimas décadas vemos com preocupação, que numerosas pessoas perdem o sentido transcendental de suas vidas e abandonam as práticas religiosas...”. Estamos em “um novo período da história, caracterizado pela desordem generalizada..., pela difusão de uma cultura distante e hostil à tradição cristã e pela emergência de variadas ofertas religiosas que tratam de responder, à sua maneira, muitas vezes errônea, à sede de Deus que nossos povos manifestam”.
A graça que pedimos a Deus, por meio da Senhora de Guadalupe: que o nosso povo não tenha só o verniz cristão de uma devoção superficial, mas que viva em coerência com a sua Fé.


ADVENTO

        Palavra oriunda do latim, significando “vinda”, Advento é o tempo litúrgico de preparação para o Natal, sendo, na expressão do Papa Francisco, “um novo caminho do Povo de Deus com Jesus Cristo, o nosso Pastor, que nos guia na história para o cumprimento do Reino de Deus e nos faz experimentar um sentimento profundo do sentido da história. Redescobrimos a beleza de estar todos em caminho: a Igreja, com a sua vocação e missão, e toda a humanidade, os povos, as culturas, todos em caminho pelos caminhos do tempo”.
“Mas em caminho para onde? Há uma meta comum? E qual é esta meta?”, pergunta o Papa. “Este caminho não está nunca concluído. Como na vida de cada um de nós, há sempre necessidade de começar de novo, de levantar-se, de reencontrar o sentido da meta da própria existência, assim, para a grande família humana é necessário renovar sempre o horizonte comum rumo ao qual somos encaminhados. O horizonte da esperança! Este é o horizonte para fazer um bom caminho. O tempo do Advento, que começamos de novo, nos restitui o horizonte da esperança, uma esperança que não desilude porque é fundada na Palavra de Deus. Uma esperança que não desilude, simplesmente porque o Senhor não desilude nunca! Ele é fiel! Ele não desilude! Pensemos e sintamos esta beleza” (Angelus, 1/12/2013).
Por isso, a Igreja nos convida à mudança de vida, ou seja, à conversão, a “despertarmos do sono” (Rm 13,11), a sairmos da mediocridade.
Celebramos duas vindas de Jesus Cristo ao mundo. A primeira, com a sua encarnação, ocorrida historicamente há cerca de dois mil anos, celebraremos no Natal. A segunda, em que meditamos no tempo do Advento, é o retorno glorioso no fim dos tempos. Como disse o Papa Bento XVI, “esses dois momentos, que cronologicamente são distantes – e não se sabe o quanto -, tocam-se profundamente, porque com sua morte e ressurreição Jesus já realizou a transformação do homem e do cosmo que é a meta final da criação. Mas antes do final, é necessário que o Evangelho seja proclamado a todas as nações, disse Jesus no Evangelho de São Marcos (cf. Mc 13,10). A vinda do Senhor continua, o mundo deve ser penetrado pela sua presença. E esta vinda permanente do Senhor no anúncio do Evangelho requer continuamente nossa colaboração; e a Igreja, que é como a Noiva, a esposa prometida do Cordeiro de Deus crucificado e ressuscitado (cf. Ap 21,9), em comunhão com o Senhor colabora nesta vinda do Senhor,  na qual já inicia o seu retorno glorioso”(Angelus, 2/12/2012).

Há ainda uma terceira vinda de Cristo, também celebrada no Natal. Acontece em nosso coração, pela sua graça. Essa será a grande alegria do Natal: “O encontro pessoal com o amor de Jesus que nos salva... A ALEGRIA DO EVANGELHO enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (Francisco, Evangelii Gaudium).