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O ESPÍRITO SECTÁRIO


               Seita é uma palavra que vem do latim ‘secta”, do verbo secare, separar, significando partido, causa, fileiras. O termo “seita” é geralmente aplicado a grupos que professam doutrina ou ideologia divergentes da correspondente doutrina ou sistema oficial ou dominante, ou seja, professam doutrinas e práticas novas e não ortodoxas. O que caracteriza a seita, ou seja, o seu “espírito”, é a separação ou divergência do grupo que considera hostil ou descrente. A seita procura se fechar em um corpo de doutrinas e vê o grupo do qual se separou como mau e pecador, desviado, considerando-se como os autênticos defensores da verdadeira doutrina.
            A seita tem doutrina própria. A seita se considera como meio de salvação e refúgio da ortodoxia. A seita considera quem a abandona como um traidor, apóstata e infiel. Por isso, é difícil sair de uma seita, acarretando grandes problemas psicológicos e morais. A seita exerce um controle sobre o indivíduo que a ela adere, regulando seus pensamentos e ações. A seita estabelece uma reinvindicação de possuir acesso exclusivo e privilegiado à verdade e à salvação. A seita geralmente tem um líder, ao qual os membros aderem incondicionalmente e seguem sem a menor contestação, que seria considerada um pecado e uma desobediência.
            A seita é imbuída de fanatismo: é cega, não consegue ver os próprios erros. Ninguém os convence. Não aceita contestação nem crítica. Normalmente os adeptos de uma seita negam que esta seja um grupo sectário, pois creem que a sua visão de mundo é a verdade única.
Geralmente as seitas têm um espírito apocalíptico e escatológico: falam sempre em castigos e numa grande punição que Deus enviará ao mundo, especialmente para os outros, pois pensam que eles serão preservados. Os membros da seita se consideram superiores a todos os outros que a ela não pertencem. Eles são “os santos”, “os que compreenderam realmente a reta doutrina e posição”, pois têm um conhecimento privilegiado (gnose). São moralistas rígidos e casuístas, criando escrupulosos entre seus adeptos. As seitas são proselitistas, procurando atrair a todo custo os outros para o seu grupo, usando o argumento da exclusividade, da sua pureza de doutrina, dos castigos e dos defeitos dos outros. Os de espírito sectário são altamente críticos dos outros grupos, especialmente do grupo de onde saíram, com argumentos às vezes sedutores, baseando-os em defeitos reais. Além de alarmistas, são também pessimistas, com zelo amargo, sempre olhando o lado ruim das coisas. E, defendendo rigidamente a própria posição, são rígidos e duros para com a posição dos outros. Querem a “fé”, sem a caridade.
            Sem atribuir a ninguém essa pecha de seita, examinemo-nos a nós mesmos e os nossos grupos, para ver se, mesmo não sendo seita, não adquirimos algum espírito sectário. Há muitos grupos que rejeitam a denominação de seitas, mas cultivam o seu mau espírito.
            O verdadeiro católico não é sectário: não tem doutrina própria, pois se guia pelo Magistério da Igreja; como cristão é otimista, pois confia em Deus e na sua Igreja: “alegres pela esperança” (Rm 12,12); cultiva a caridade, esforça-se por ser humilde, sem se achar dono da ortodoxia e da virtude; não se julga melhor do que ninguém, procurando não criticar os outros e respeitando a consciência alheia, o que não significa concordar com os erros; olha mais para as suas falhas e defeitos, como o publicano do Evangelho, que foi justificado, e não se compara com os outros, como o fariseu, que foi reprovado por Deus.

LIBERDADE E PROGRESSO

       Acabo de participar, a convite, de 24 a 27 de janeiro, em Sintra, Portugal, do Congresso internacional anual para Bispos, com a presença de cerca de 140 Cardeais e Bispos de 41 países, promovido pelo Acton Institute, instituição universitária voltada para estudos de economia e sociologia à luz da Doutrina social da Igreja. O congresso deste ano teve como tema principal “Catolicismo, Liberdade e Desafios do Desenvolvimento Humano Integral”. 
            Além dos estudos importantíssimos, o contato e o convívio com Cardeais e Bispos de diversos países nos enriquecem em conhecimento e amizade, nessa grande família que é a Igreja. E, conhecendo os problemas diversificados em todas as partes do mundo, somos impelidos a um maior zelo, comunhão e oração. E, como todos os anos, estando em Portugal, nós, os Bispos deste congresso, fizemos, no dia 24 de janeiro, uma peregrinação especial ao Santuário de Fátima., onde nos consagramos ao seu Imaculado Coração.
            No Congresso, além do tema principal, ventilaram-se também as questões: 1) Liberdade Religiosa em Tempos de Perseguição; 2) População, Desenvolvimento Econômico e Pobreza; 3) Imigração e a Doutrina Social da Igreja; 4) A Igreja, a Nação e a Ordem Global.
             Sobre o tema, o Magistério da Igreja nos ensina: “A liberdade, na sua essência, é algo intrínseco ao homem, conatural à pessoa humana, sinal distintivo da sua natureza. A liberdade da pessoa, de fato, tem o seu fundamento na sua dignidade transcendente: uma dignidade que lhe foi doada por Deus, seu Criador, e que a orienta para o mesmo Deus. O homem, porque foi criado à imagem de Deus, é inseparável da liberdade, daquela liberdade que nenhuma força ou constrangimento exterior jamais poderá tirar-lhe e que constitui seu direito fundamental, quer como indivíduo quer como membro da sociedade. O homem é livre porque possui a faculdade de se determinar em função da verdade e do bem” (S. João Paulo II, mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1981).
       
    “A pergunta moral, à qual Cristo responde, não pode prescindir da questão da liberdade, pelo contrário, coloca-a no centro dela, porque não há moral sem liberdade: ‘Só na liberdade é que o homem se pode converter ao bem’ (GS, n. 17). Mas qual liberdade? Perante os nossos contemporâneos que ‘apreciam grandemente’ a liberdade e que a ‘procuram com ardor’, mas que ‘muitas vezes a fomentam de um modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade’, o Concílio apresenta a ‘verdadeira’ liberdade: ‘A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis ‘deixar o homem entregue à sua decisão’ (cf. Sr 15,14), para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à perfeição total e beatífica, aderindo a Ele’ (GS n. 17). Se existe o direito de ser respeitado no próprio caminho em busca da verdade, há ainda antes a obrigação moral, grave para cada um, de procurar a verdade e de aderir a ela, uma vez conhecida (Cf. Dignitatis Humanae, n. 2)” (Veritatis Splendor, n. 34).

AUTORIDADE DA ENCÍCLICA

               A última encíclica do Papa Francisco, “Laudato si”, sobre o cuidado da casa comum, contém importantes ensinamentos para o mundo de hoje. Alguns, porém, poderiam contestar, dizendo que não se trata de um dogma de fé e seus ensinamentos são discutíveis.
                Há diversos graus de autoridade nos ensinamentos da Igreja. No primeiro grau, estão as verdades divinamente reveladas, ensinadas de forma solene pelo Magistério infalível, que exigem de nós assentimento pleno e irrevogável de fé. No segundo grau, estão as verdades relacionadas com o campo dogmático ou moral, necessárias para guardar e expor o depósito da fé, propostas de modo definitivo pela Igreja, a que devemos também um assentimento pleno e irrevogável, baseado na fé da assistência do Espírito Santo ao Magistério. No terceiro grau, estão os ensinamentos que o Romano Pontífice ou o Colégio Episcopal propõem quando exercem o magistério autêntico, ainda que não entendam proclamá-los com um ato definitivo.
                É nesse terceiro grau que se enquadra a Encíclica “Laudato si”, do Papa Francisco.
            A esses ensinamentos do terceiro grau do Magistério, ou seja, do Magistério simplesmente autêntico, ainda que não tenham sido definidos com um juízo solene nem propostos como definitivos pelo Magistério ordinário e universal, “é exigida uma religiosa submissão da vontade e da inteligência. Esta não pode ser puramente exterior e disciplinar (silêncio respeitoso), mas deve colocar-se na lógica e sob o estímulo da obediência da fé” (Donum Veritatis, 23). Infelizmente há uma pressuposta equação falsa em voga: ensinamento magisterial não definitivo é igual a não obrigatório.
            “Porque o ensinamento não infalível da Igreja, embora não de maneira absoluta, é também assistido pelo Espírito Santo. Muito se enganaria, pois, quem cuidasse que ele nos deixa inteiramente livres de assentir ou de discordar. Não obrigar sob pena de heresia, está longe de equivaler a não obrigar de todo... Nem basta acolher este ensinamento com um silêncio respeitoso; impõe-se uma adesão intelectual” (Penido – O Mistério da Igreja, VII).
 “Nem se deve crer que os ensinamentos das encíclicas não exijam, por si, assentimento, sob alegação de que os sumos pontífices não exercem nelas o supremo poder de seu magistério. Entretanto, tais ensinamentos provêm do magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: ‘Quem vos ouve a mim ouve’ (Lc 10,16)” (Pio XII, Humani Generis, 20)
“Com relação ao ensinamento do Magistério em matéria em si não irreformável, a vontade leal de se submeter deve ser a regra... Neste âmbito de intervenções de tipo prudencial, aconteceu que alguns documentos magisteriais não fossem isentos de carências. Os Pastores nem sempre colheram prontamente todos os aspectos ou toda a complexidade de uma questão. Mas seria contrário à verdade se, a partir de alguns casos determinados, se inferisse que o Magistério da Igreja possa enganar-se habitualmente nos seus juízos prudenciais, ou não goze da assistência divina no exercício integral da sua missão” (Donum Veritatis 24/5/1990, 24).

O BEBÊ E A ÁGUA DO BANHO

          Tem havido ultimamente insultos à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que me atingem também, pois dela faço parte por ser Bispo católico, pela graça de Deus, em plena comunhão com a Santa Igreja. A CNBB é o conjunto dos Bispos do Brasil que, exercem conjuntamente certas funções pastorais em favor dos fiéis do seu território (CIC cân. 447).  Conforme explicou São João Paulo II na Carta Apostólica Apostolos suos, é “muito conveniente que, em todo o mundo, os Bispos da mesma nação ou região se reúnam periodicamente em assembleia, para que, da comunicação de pareceres e experiências, e da troca de opiniões, resulte uma santa colaboração de esforços para bem comum das Igrejas”. “O Espírito Santo vos constituiu Bispos para pastorear a Igreja de Deus, que ele adquiriu com o seu próprio sangue” (At 20, 28).       
            Quero deixar bem claro que, por ser Bispo da Santa Igreja Católica, dou minha adesão a tudo o que ensina o seu Magistério, nas suas diferentes formas e na proporção da exigência de suas expressões doutrinárias, sem restrições mentais ou subterfúgios.
Em matéria de política ou questões sociais, minha posição é a da Doutrina Social da Igreja. Por isso, defendo a subordinação da ordem social à ordem moral estabelecida por Deus, a dignidade da pessoa humana, a busca do bem comum, a atenção especial aos pobres, a rejeição do socialismo e do marxismo, nas suas diferentes formas, o direito de propriedade, o princípio da subsidiariedade e os legítimos direitos humanos, principalmente a defesa da vida desde a concepção até o seu término natural.
Ademais, ainda na questão agrária, compartilho com a posição de São João Paulo II quando ensinou: “É necessário recordar a doutrina tradicional de que a posse da terra ‘é ilegítima quando não é valorizada ou quando serve para impedir o trabalho dos outros, visando somente obter um ganho que não provém da expansão global do trabalho humano e da riqueza social, mas antes de sua repressão, da exploração ilícita, da especulação e da ruptura da solidariedade no mundo do trabalho’ (Centesimus Annus 43). Mas recordo, igualmente, as palavras do meu predecessor Leão XIII quando ensina que ‘nem a justiça, nem o bem comum consentem danificar alguém ou invadir a sua propriedade sob nenhum pretexto’ (Rerum Novarum, 30). A Igreja não pode estimular, inspirar ou apoiar as iniciativas ou movimentos de ocupação de terras, quer por invasões pelo uso da força, quer pela penetração sorrateira das propriedades agrícolas” (Discurso aos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, na sua visita ad limina, 21março de 1995).
            Assim, quem quer que defenda partidos ou grupos que pregam a revolução social, a luta de classes, o igualitarismo total, a negação do direito de propriedade e a ideologia de gênero, não me representa nem pode falar em meu nome nem em nome da Igreja.
Ademais, conforme ensina a Igreja, como Bispo, quero ter sempre uma “prudente solicitude pelo bem comum” (Laborem exercens, 20), “não estou ligado a qualquer sistema político determinado” (Gaudium et Spes, 76), não me intrometo no trabalho político, “por este não ser competência imediata da Igreja”, “nem me identifico com os interesses de partido algum”, ensinando, porém, os grandes critérios e os valores irrevogáveis, orientando as consciências e oferecendo uma opção de vida que vai além do âmbito político” (Bento XVI, Aparecida, 13-5-2007, Disc. Inaug. do CELAM).
Defendo a mesma posição do Catecismo da Igreja Católica quando diz: “Não cabe aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na organização da vida social. Essa tarefa faz parte da vocação dos fiéis leigos, que agem por própria iniciativa com seus concidadãos” (n. 2442).
Compartilho também com a posição do Papa Bento XVI, hoje emérito, quando ensinou que “a Igreja não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende de modo algum imiscuir-se na política dos Estados, mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo...” (Caritas in Veritate, 9).
É claro que, na crise atual, há quem não siga nessa matéria o critério do Magistério da Igreja. Mas são vozes fora do caminho, mesmo que muitas. Não se pode apoiá-las.
            Se há pessoas na Igreja que não seguem seus ensinamentos, temos a obrigação de não segui-las e, se tivermos ciência e competência para tal, de respeitosamente manifestar isso aos Pastores da Igreja (CIC cânon 212, §3), ressalvando a reverência que lhes é devida.  
            É nesse último ponto que pecam gravemente alguns que se intitulam católicos. Na ânsia de defender coisas corretas, perdem o respeito devido às autoridades da Igreja e as desprestigiam, para alegria dos inimigos dela.
Junto com o combate ao erro, até querendo fazer o bem, acabam destruindo a autoridade, com ofensas, exageros, meias verdades e até mentiras, caindo assim em outro erro. A meia verdade pode ser pior do que a mentira deslavada.
Não quero dizer que não existam os erros que combatem. O que é preciso é evitar as generalizações, ampliações e atribuições indevidas e injustas, onde acontecem faltas ou excessos. A justiça e a caridade, mesmo no combate, são imprescindíveis. Qualquer pessoa não católica que lesse certos sites e postagens de alguns católicos críticos, injuriando os Bispos e autoridades da Igreja, certamente iria raciocinar: “é impossível que tais pessoas sejam católicas, pois não se fala assim da própria família!”.

Como diz o provérbio: “Não se pode jogar fora o bebê, junto com a água suja do banho!”.