Entrevista. Dom Fernando Arêas Rifan para a Revista In Guardia.

Entrevista de Dom Fernando Arêas Rifan exclusiva para a Revista Eletrônica In Guardia publicada em 06/06/2012.


In Guardia: Como é sempre bom começar do começo, o Sr. pode nos dizer como foi a descoberta de sua vocação sacerdotal?

Dom Fernando: Por pura bondade de Deus, eu nasci numa família católica. Meus avós eram muito piedosos, pessoas de oração. Meu pai era congregado mariano, presidente da obra social da paróquia – dispensário do Divino Espírito Santo – e minha mãe do Apostolado da Oração. Eu fui, desde cedo, da cruzada eucarística, coroinha e cantor do coral na minha igreja matriz. Nesse ambiente, surgiu a minha vocação, meu desejo de ser padre, como eram os padres que eu conhecia. Isso estou falando do que acontecia comigo, subjetivamente, porque na verdade não fui eu que escolhi ser padre, foi Nosso Senhor que me chamou. Apesar de filho único, entrei para o seminário aos 12 anos de idade. E lá fiquei por 12 anos, até a minha ordenação sacerdotal, aos 24 anos de idade. Hoje tenho 37 anos de sacerdócio e 10 anos de episcopado.  

In Guardia: Por que escolheu a então União Sacerdotal São João Maria Vianney para exercer seu sacerdócio?

Dom Fernando: As coisas não eram assim naquele tempo. Era uma paróquia, uma diocese e um seminário normais. Entrei para o seminário diocesano, da Diocese de Campos, em 1963, e fui ordenado sacerdote pelo então Bispo Diocesano de Campos, Dom Antônio de Castro Mayer, na Catedral Diocesana, em 1974. Fui nomeado diretor diocesano do ensino religioso e pároco da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, cargo que exerci por 10 anos, além de secretário do Bispo. Tudo isso na Diocese de Campos. Não havia, naquela época, a União Sacerdotal, que só foi criada em meados dos anos 80.

In Guardia: Sabemos que a Administração Apostólica São João Maria Vianney tem um formato, digamos assim, diferente de Dioceses e Arquidioceses às quais estamos acostumados. O Sr. pode nos explicar um pouco sobre como funciona dentro do Direito Canônico?

Dom Fernando: A União Sacerdotal reunia os padres que foram tirados das suas paróquias e igrejas pelo Bispo sucessor de Dom Antônio. Eles continuaram atendendo o povo, em capelas particulares, numa situação canonicamente anormal e mesmo irregular. Isso durou até o ano 2001, quando o Beato Papa João Paulo II transformou a união sacerdotal em Administração Apostólica, para regularizar aquela situação e conservar na plena comunhão da Igreja esses sacerdotes (eram 25) e fiéis ligados às formas litúrgicas e disciplinares anteriores do Rito Romano (Liturgia de São Pio V).   
            Canonicamente, a Administração Apostólica é uma circunscrição eclesiástica equiparada a uma Diocese (C.D.C. cânon 368), uma porção do povo de Deus, cujo cuidado pastoral é confiado a um Administrador Apostólico, que a governa em nome do Sumo Pontífice (cânon 371 §2). Ela se compõe, como as outras dioceses, de paróquias, párocos, seminário próprio, cúria, religiosas, religiosos, catequistas e fiéis em geral.     
A Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney foi criada pelo Decreto “Animarum bonum”, da Sagrada Congregação para os Bispos, de 18 de janeiro de 2002, oficializando juridicamente a vontade de Sua Santidade, o Papa João Paulo II, expressa na carta autógrafa "Ecclesiae unitas", de 25 de dezembro de 2001. Eu sou o atual Bispo Administrador Apostólico, membro do Regional Leste 1 e da CNBB, de cujas reuniões participo normalmente.
Já faz 10 anos da criação da nossa Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, evento que celebraremos durante todo esse ano de 2012, usando como lema a frase do salmo 88: “Misericordias Domini in aeternum cantabo” – “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor”, e como tema: “10 anos de graças: gratidão, reflexão e missão”.

In Guardia: A Administração Apostólica tem hoje quantas paróquias, clérigos, seminaristas e atinge quantos leigos efetivamente?

Dom Fernando: Hoje a Administração Apostólica tem 33 padres incardinados, 13 paróquias, 3 Reitorias, umas 130 Igrejas e lugares de Missa, 35 seminaristas. Temos umas cem religiosas, 15 escolas e 2 asilos. Temos muitas associações religiosas tradicionais e catequistas. Os fiéis são cerca de 30 mil. Mas a Administração Apostólica é aberta, para todos que desejarem nela entrar, no território coincidente com a Diocese de Campos.

In Guardia: Como o Sr. vê a atual conjuntura das vocações sacerdotais, tanto dentro como fora da Administração Apostólica?

Dom Fernando: O número dos nossos seminaristas sempre foi nessa margem. Mas sentimos a falta de mais vocações, mesmo aqui na Administração Apostólica. O baixo número de vocações em geral se deve à secularização da sociedade, ao hedonismo reinante, à tibieza e falta de oração, à decadência das famílias católicas, à falta de espírito de heroísmo e tendência individualista entre os jovens. É claro que também a crise na Igreja influenciou e influencia no baixo número de vocações.

In Guardia: Uma dúvida comum de muitos seminaristas e também clérigos que nos acompanham é como funciona a formação dos seminaristas. Existe alguma diferença fora do padrão de normalidade dos demais seminários? Quais as matérias estudadas por eles e o que deles é exigido?

Dom Fernando: A formação dos nossos seminaristas é regulada pela Congregação para a Educação Católica (para os Seminários e as Instituições de Estudos), que aprovou nosso programa de estudos e regulamento. Aqui, portanto, se estudam todas as matérias exigidas nos demais seminários e o regulamento é semelhante: oração, retiros espirituais, conferências, vida de comunidade, estudo, aulas, recreios, esporte, passeios, distrações etc. A diferença está na disciplina mais tradicional e na Liturgia, porque, como toda a Administração, conservamos a forma antiga do Rito Romano e o primado do canto gregoriano, ao lado do polifônico. Temos uma equipe de bons padres formadores que se ocupa do nosso Seminário.

In Guardia: Ainda sobre a Fraternidade Sacerdotal São Pio X temos um Motu Proprio datado de 1988 chamadoEcclesia Dei que, embora pequeno, tratou de forma bem direta as ordenações feitas por D. Lefebvre e a não autorização por parte da Santa Sé. Pois bem, à época o Sr. já fazia parte da então União Sacerdotal São João Maria Vianney. Como o Sr. e seus contemporâneos viram, à época toda a situação? O Sr. pode nos contar um pouco dessa história?

Dom Fernando: Nós não éramos nem somos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, mas sim padres diocesanos que com eles tínhamos em comum a Liturgia na forma antiga e a formação tradicional. Foi um tempo de perseguição mais forte à Missa na forma antiga e aos católicos que a conservavam. Na ocasião, víamos as ordenações feitas por Dom Lefebvre como algo que seria necessário, devido à crise, um caso de necessidade. Por isso as apoiamos.
Depois, estudamos melhor os documentos do Magistério, especialmente a Encíclica Ad Apostolorum Principis, de Pio XII, o Motu Proprio Ecclesia Dei Adflicta de João Paulo II e especialmente a “Nota Explicativa” do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, de 24 de agosto de 1996 (mas que só conhecemos no ano 2001), sobre a interpretação autêntica desse Motu Proprio Ecclesia Dei, onde, sobre o “estado de necessidade no qual Mons. Lefebvre pensava se encontrar” se explica que “deve-se ter presente que tal estado deve verificar-se objetivamente, e que não se dá jamais uma necessidade de ordenar Bispos contra a vontade do Romano Pontífice, Cabeça do Colégio dos Bispos. Isto de fato significaria a possibilidade de ‘servir’ a Igreja mediante um atentado contra a sua unidade em matéria conexa com os próprios fundamentos desta unidade”. Então chegamos à conclusão que não se poderia jamais ter tomado aquela atitude, que realmente seria contra a doutrina e a Tradição da Igreja.
In Guardia: Ainda sobre a FSSPX e o Motu Próprio Ecclesia Dei quanto menciona as ordenações desautorizadas, nesse documento foi expressamente mencionado que (...) “tal ato foi uma desobediência ao Romano Pontífice em matéria gravíssima” (...) e ainda (...)”A raiz deste ato cismático pode localizar-se numa incompleta e contraditória noção de Tradição.” É assim que hoje a Administração Apostólica concebe aquela atitude?
Dom Fernando: Com já disse acima, tal conclusão se impõe a quem tem como critério de verdade e orientação o Magistério da Igreja, como temos e devemos ter.
A Nota Explicativa do Motu Proprio, citada acima, falando dessas ordenações episcopais contra a vontade do Papa, procura esclarecer: “Parece antes de tudo que o cisma de Mons. Lefebvre foi declarado em relação imediata com as ordenações episcopais realizadas em 30 de junho de 1988 sem o mandato pontifício (cf. CIC, can. 1382). Todavia, aparece ainda claramente pelos precedentes documentos que tal gravíssimo ato de desobediência constituiu a consumação de uma progressiva situação global de índole cismática”.
É pelo Magistério vivo da Igreja que se pauta a nossa Administração Apostólica. Portanto, vemos aquela atitude do mesmo modo que a vê o Magistério.
 A propósito, escrevi minha Orientação Pastoral – O Magistério vivo da Igreja, onde explico bem a nossa posição. Se mudamos alguma atitude nossa, foi para nos adequarmos às orientações do Magistério. Cito alguns trechos:
Muitas vezes, na ânsia de defender coisas corretas e sob pressão dos ataques dos opositores, mesmo com reta intenção podem-se cometer erros e exageros que, após um período de maior reflexão, devem ser retificados e corrigidos. São Pio X comentava que no calor da batalha é difícil medir a precisão e o alcance dos golpes. Daí acontecerem faltas ou excessos, compreensíveis, mas incorretos. Erros podem ser compreendidos e explicados, mas não justificados. Santo Tomás de Aquino nos ensina: “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção” (Decem praec. 6 (cf. C.I.C. 1759)”.
“Por essa razão, em carta ao Papa de 15/8/2001, os sacerdotes da antiga União Sacerdotal São João Maria Vianney, agora constituída pelo Papa em Administração Apostólica[1], escreveram: "E se, por acaso, no calor da batalha em defesa da verdade católica, cometemos algum erro ou causamos algum desgosto a Vossa Santidade, embora a nossa intenção tenha sido sempre a de servir à Santa Igreja, humildemente suplicamos o seu paternal perdão"”.
“É preciso sempre ajustar a prática com os princípios que defendemos. Se reconhecemos as autoridades da Igreja é preciso respeitá-las como tais, sem jamais, ao atacar os erros, desprestigiá-las. Se houve algum erro ou exagero no passado quanto a isso, não há nada de mais em se corrigir o erro. Os princípios, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição aos erros condenados pela Igreja continuam os mesmos. O que é preciso é evitar as generalizações, ampliações e atribuições indevidas e injustas. A justiça e a caridade, mesmo no combate, são imprescindíveis. Se houve alguma falha também nesse ponto, corrigir-se não é nenhum desdouro. Afinal, errar é humano, perdoar é divino, corrigir-se é cristão e perseverar no erro é diabólico”.
Também ali explico a correta noção de Tradição, conforme o Magistério da Igreja. E no meu livro “Considerações sobre as formas do Rito Romano”, esclareci bem: “A Igreja ensina que a consciência subjetiva do fiel ou do teólogo não é critério de verdade porque tal consciência subjetiva “não constitui uma instância autônoma e exclusiva para julgar a validade de uma doutrina... Opor ao Magistério da Igreja um magistério supremo de consciência é admitir o princípio do livre-exame, incompatível com a economia da Revelação e da sua transmissão na Igreja, assim como uma concepção correta da teologia e da função do próprio teólogo. Os enunciados da Fé não resultam de uma investigação puramente individual e de um livre exame da Palavra de Deus, mas constituem uma herança eclesial. Se alguém se separa dos Pastores, que velam por manter viva a tradição apostólica, é a ligação com Cristo que se encontra irreparavelmente comprometida” (CDF, Instrução Donum Veritatis).
É o Magistério que me faz conhecer o que pertence ou não à Tradição apostólica: não sou eu que deve julgar o Magistério em função do que posso compreender da Tradição. Se o Magistério não está acima da Tradição nem da Sagrada Escritura, está acima de todas as nossas interpretações da Tradição e da Sagrada Escritura. Isto é o que explicou claramente o Beato João Paulo II ao então Cardeal Joseph Ratzinger: “... não é o antigo como tal nem o novo em si mesmo o que corresponde ao conceito exato da Tradição na vida da Igreja. Este conceito designa, com efeito, a fidelidade duradoura da Igreja à verdade recebida de Deus através dos acontecimentos mutáveis da história. A Igreja, como o pai de família do Evangelho, tira com sabedoria ‘de seu tesouro o velho e o novo’ (cf. Mt 13,52), mantendo-se na obediência absoluta ao Espírito da Verdade que Cristo entregou à sua Igreja como guia divino. Esta delicada tarefa de discernimento a Igreja a cumpre por meio de seu Magistério autêntico (cfLG 25) (Carta In questo periodo ao Cardeal Ratzinger (04-VIII-1988: AAS, 1988, pgs. 1121-1125).


In Guardia: Passando ao Motu Proprio Summorum Pontificum o que o Sr. tem a nos dizer sobre a disseminação do rito extraordinário em meio a Dioceses que antes sequer imaginavam celebrar no rito antigo?

Dom Fernando: O Motu Proprio  Summorum Pontificum foi grandemente aplaudido por nós e, graças a ele, pouco a pouco, muitas dioceses têm adotado a Missa na forma antiga. Creio que o Motu Proprio serviu para dirimir muitos preconceitos. O Santo Padre Bento XVI explicou que ele deseja a paz litúrgica na Igreja e que a Missa na forma extraordinária poderá fazer muito bem à Liturgia em geral. Esperamos que isso aconteça mais e mais. Aqui no Brasil, as coisas estão andando devagar, pouco a pouco.

In Guardia: O que o Sr. diria para os párocos que desejam celebrar no rito Tridentino, mas encontram alguma barreira de ordem pastoral? Como agir?

Dom Fernando: Os párocos, tendo formação tradicional, vão compreender o que disse o Papa: que a Missa celebrada na forma antiga só poderá fazer bem. É claro que é preciso ter correta orientação e adesão ao Magistério da Igreja. E os párocos têm autorização dada diretamente pelo Santo Padre para a celebrarem e permitirem sua celebração.

In Guardia: Presenciamos em várias Dioceses uma quantidade razoavelmente grande de sacerdotes que gostariam de celebrar no rito Tridentino, contudo o ensino do latim nos seminários não foi bem feito ou simplesmente não aconteceu. Existe alguma forma mais fácil para esses sacerdotes aprenderem o rito?

Dom Fernando: A nossa Administração Apostólica, em parceria com outras dioceses, tem promovido pelo Brasil “Encontros Summorum Pontificum”, para incentivar e ensinar aos sacerdotes a Missa na forma extraordinária. O primeiro encontro foi na Diocese de Garanhuns, em 2010, o segundo na Arquidiocese do Rio de Janeiro, em 2011, e o terceiro será na Arquidiocese de Salvador, Bahia, de 14 a 18 de setembro próximos, com um dia aberto aos leigos. Estamos preparando também cursos práticos de latim litúrgico. Para celebrar a Missa na forma extraordinária os sacerdotes devem conhecer o latim, ao menos básico, e saber pronunciá-lo bem. Há muitos missais bilíngues que poderão ajudar na tradução.

In Guardia: Passando às recentes notícias sobre as “negociações” entre a Santa Sé e a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, o que o Sr. pode nos dizer sobre as expectativas?

Dom Fernando: A expectativa é grande. Temos um grande desejo de que eles regularizem sua situação canônica e resolvam logo esse problema da plena comunhão com a Igreja. Pode ser muito difícil, dado a posição que eles tomaram e que muitos deles mantêm, segundo seus escritos atuais. Mas, para Deus, nada é impossível. Rezemos. E, se eles regularizarem sua situação com a Igreja e afinarem sua doutrina com a do Magistério, serão muito bem-vindos e ficaremos alegres com isso. Nós também recebemos a mesma graça.
            Aliás, quando o Santo Padre lhes levantou a excomunhão, para facilitar o caminho deles à plena comunhão, eu escrevi aos quatro Bispos da Fraternidade:
“Eu e toda nossa Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, seus sacerdotes e fiéis, os felicitamos e nos congratulamos de todo o coração com V. Exas. pelo levantamento das excomunhões que vos atingiam e agradecemos ao Santo Padre por este gesto de paternal misericórdia e generosidade, que terá uma frutuosa repercussão em toda a Igreja. Como nós também fomos objeto da mesma bondade do Santo Padre, que levantou a excomunhão de Dom Licínio Rangel em novembro de 2001, o que nos conduziu à nossa completa regularização em 18 de janeiro de 2002, nós estaremos sempre em oração para que V. Exas. possam também chegar à completa regularização de toda a Fraternidade São Pio X, como o desejou o Papa. Nós confiamos todo esse caso ao Imaculado Coração da Santíssima Virgem, a quem V. Exas. com tanta confiança recorreram para a sua solução”. 


In Guardia: A FSSPX tem a teoria de que as discussões com a Santa Sé têm como fim mostrar às autoridades eclesiásticas que a Fraternidade está plenamente unida ao Magistério perene da Igreja Católica Apostólica Romana, à doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou como se diz, à Tradição da Igreja, ou seja, que não haveria qualquer perigo de heresia, de ensino contrário à doutrina dos Papas. Seria essa mesma a situação ou o Sr. vê de outra forma?

Dom Fernando: Se a Santa Sé aceitar isso, julgando assim, ótimo. Se eles acertarem os ponteiros doutrinários e corrigirem, daqui em diante, muitas afirmações e atitudes não perfeitamente consoantes com a doutrina católica, a reconciliação será perfeita.
A Santa Sé disse que o problema deles é doutrinário. Deles. Eles reconhecem que o problema é doutrinário, mas dizem que não é deles, mas da Santa Sé, da Igreja (!). Rezemos para que eles afinem sua doutrina com o Magistério vivo da Igreja. Afinal, é dogma de Fé, definido pelo Concílio Ecumênico Vaticano I, que “esta Sé de São Pedro permanece imune de todo erro, segundo a promessa de Nosso Divino Salvador feita ao Príncipe de Seus Apóstolos: ‘Eu roguei por ti, para que tua Fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos’ (Lc 22,32)” (Const, Dog. “Pastor Aeternus”, sobre a Igreja de Cristo, D-S 3070 e 3071). Esse mesmo Concílio Ecumênico Vaticano I define que “este carisma da verdade e da fé, que nunca falta, foi conferido a Pedro e a seus sucessores nesta cátedra...” (Const, Dog. “Pastor Aeternus”, sobre a Igreja de Cristo, D-S 3070 e 3071). Como disse São Pio X: “O primeiro e maior critério da fé, a regra suprema e inquebrantável da ortodoxia é a obediência ao magistério sempre vivo e infalível da Igreja, estabelecido por Cristo columna et firmamentum veritatis, a coluna e o sustento da verdade.” (Alocução Cum vera soddisfazione, de 10/5/1909). Arvorar-se em juiz ou critério de verdade no lugar do Magistério ou em juiz do Magistério seria pretensão descabida.

In Guardia: Por diversas vezes vemos membros da FSSPX e mesmo pessoas não ligadas a ela, mas que tem uma identidade de mais forte ligação com ela, afirmarem que o Rito Novo favorece o surgimento de heresias e isso pode levar a crer que, por esse motivo, não é legítimo. Como o Sr. vê tais afirmações?

Dom Fernando: Esta opinião sobre a ilegitimidade do Rito Novo não está de acordo com a doutrina católica e, por isso mesmo, não é aprovada pelo Papa Bento XVI, cuja posição é bem outra.
Com efeito, o Santo Padre, o Papa Bento XVI, em sua Carta aos Bispos que acompanha o Motu Proprio Summorum Pontificum, afirma expressamente, como sendo algo óbvio e lógico: “Obviamente, para viver a plena comunhão, também os sacerdotes das Comunidades que aderem ao uso antigo, não podem, em linha de princípio, excluir a celebração segundo os novos livros. De fato, não seria coerente com o reconhecimento do valor e da santidade do rito a exclusão total do mesmo”. Está claro, portanto, nas palavras do Santo Padre, que se deve reconhecer o valor e a santidade da nova liturgia, e, em consequência, não excluí-la totalmente.  
Na minha Orientação Pastoral – O Magistério vivo da Igreja, e no meu livro “Considerações sobre as formas do Rito Romano”, explico bem:
“Levados pelo legítimo desejo de conservar a riqueza litúrgica do rito tradicional e chocados, com razão, em sua fé e piedade com os abusos, sacrilégios e profanações a que deu azo a reforma litúrgica, os católicos da linha tradicional, não querendo ver a “liturgia transformada em show” (Card. Ratzinger) nem querendo compartilhar com erros e profanações que viam, apegaram-se legitimamente às formas tradicionais da liturgia. Por isso, merecem toda a nossa compreensão, nossos louvores e nosso apoio todos os que lutam pela preservação da Liturgia na sua forma tradicional”.
“Assim também, em nossa Administração Apostólica, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé, conservamos o rito da Missa na sua forma tradicional, isto é, a antiga forma do Rito Romano, como o fazem igualmente muitas congregações religiosas, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo. Nós a amamos, preferimos e conservamos por ser, para nós, melhor expressão litúrgica dos dogmas eucarísticos e sólido alimento espiritual, pela sua riqueza, beleza, elevação, nobreza e solenidade das cerimônias, pelo seu senso de sacralidade e reverência, pelo seu sentido de mistério, por sua maior precisão e rigor nas rubricas, apresentando assim mais segurança e proteção contra abusos, não dando espaço a “ambigüidades, liberdades, criatividades, adaptações, reduções e instrumentalizações”, como lamenta o Papa João Paulo II (Enc. Ecclesia de Eucharistia). E a Santa Sé reconhece essa nossa adesão como perfeitamente legítima. Assim, por ser uma das riquezas litúrgicas católicas, exprimimos através da Missa na sua forma tradicional o nosso amor pela Santa Igreja e nossa comunhão com ela”.
“Mas jamais se pode usar a adesão à Liturgia tradicional em espírito de contestação à autoridade da Igreja ou de rompimento de comunhão. Há que se conservar a adesão à tradição litúrgica sem pecar contra a sã doutrina do Magistério e sem jamais ofender a comunhão eclesial. Ensina o Papa João Paulo II: ‘A diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas pode também provocar tensões, incompreensões recíprocas e até mesmo cismas. Neste campo, é claro que a diversidade não deve prejudicar a unidade. Esta unidade não pode exprimir-se senão na fidelidade à fé comum ... e à comunhão hierárquica’ (Carta apostólica Vigesimus quintus annus)”.
“Os limites, impostos pela teologia católica às reservas e críticas, nos impedem, por exemplo, de dizer que o Novus Ordo Missae, a Missa promulgada pelo Santo Padre Paulo VI, seja heterodoxa ou não católica. A sua promulgação (feita pelo Papa Paulo VI e reeditada duas vezes por João Paulo II e confirmada pelo Papa Bento XVI) (forma, no sentido filosófico) é a garantia contra qualquer irregularidade doutrinal que pudesse ter havido na sua confecção (matéria), embora ela possa ser melhorada na sua expressão litúrgica. E é a sua promulgação oficial, e não o modo de sua confecção, que a torna um documento do Magistério da Igreja”.  
“Quem, na teoria ou na prática, considerasse a Nova Missa, em si mesma, como inválida, sacrílega, heterodoxa ou não católica, pecaminosa e, portanto, ilegítima, deveria tirar as lógicas consequências teológicas dessa posição e aplica-la ao Papa e a todo o Episcopado residente no mundo, isto é, a toda a Igreja docente: ou seja, sustentar que a Igreja oficialmente tenha promulgado, conserve há décadas e ofereça todos os dias a Deus um culto ilegítimo e pecaminoso – proposição reprovada pelo Magistério (cf. notas 70 e 71) - e que, portanto, as portas do Inferno tenham prevalecido contra ela, o que seria uma heresia. Ou então estaria adotando o princípio sectário de que só ele e os que pensam como ele são a Igreja e que fora deles não há salvação, o que seria outra heresia. Ademais isso não vem significar absolutamente que estejamos aprovando abusos e profanações que ocorrem até com certa frequência em Missas celebradas no novo rito. Estamos falando do rito em latim tal qual foi promulgado pelo Santo Padre Paulo VI e aprovado pelos seus sucessores”.

In Guardia: Alguns entendem que a melhor forma de “legalização” da situação da FSSPX seria a criação de uma Prelazia Pessoal. Esse seria o melhor caminho?

Dom Fernando: Após a afinação doutrinária, creio que essa seria a melhor solução, como foi o nosso caso, a criação da Administração Apostólica Pessoal. Mas isso depende muito das implicações canônicas e da convivência com os Bispos nas suas respectivas dioceses. Creio que a Santa Sé está examinando esta possibilidade.

In Guardia: O Sr. sempre tentou deixar bem claro em seus textos a diferença entre o sagrado e o profano no ambiente propício para a celebração da Santa Missa. O que o Sr, pode indicar como profano no Rito de Paulo VI, não dentro dos abusos reconhecidamente cometidos, mas em relação ao rito como consta nas rubricas? Existe esse ponto que podemos chamar “profano”?

Dom Fernando: Não posso dizer que haja algo de profano num rito aprovado oficialmente pela Igreja, como é o caso da forma ordinária do Rito Romano. E se houvesse algo profano, foi sacralizado pela aprovação da Igreja.
Mas, como já explicamos, isso não quer dizer que o rito seja o melhor possível e que não possa ser melhorado. Eu creio que o rito ordinário, por não ser tão preciso e exigente nas rubricas como é o rito na forma extraordinária, pode dar azo a muitos abusos, devido ao ambiente atual e à falta de formação teológica e litúrgica de muitos.  
Por exemplo, a fórmula do  rito atual: “com essas ou com palavras semelhantes” (his vel similibus verbis), foi escrita para pessoas de boa formação e de bom senso. Mas, para os que não os têm, pode ser ocasião de introduzir muitas coisas profanas, como nas saudações de início e fim da Santa Missa. Como comentou o então Cardeal Ratzinger: “No novo Missal, encontramos muito frequentemente fórmulas como: sacerdos dicit sic vel simili modo(o sacerdote diz assim ou de modo semelhante)... ou então: hic sacerdos potest dicere (aqui o sacerdote pode dizer)... Esta fórmula do Missal oficializa de fato a criatividade; o padre se sente quase obrigado a mudar um pouco as palavras, de mostrar que ele é criativo, que ele torna presente à sua comunidade esta liturgia; e com esta falsa liberdade que transforma a liturgia em catequese para esta comunidade, destrói-se a unidade litúrgica e a eclesialidade da liturgia” (Card. Ratzinger, Autour de la question liturgique, 24 juillet 2001, Fontgombault).
Outro exemplo: a possibilidade de se introduzir instrumentos considerados profanos, tais como guitarras e baterias. Antigamente, e o seguimos na forma extraordinária, não se podia tocar na Igreja quaisquer instrumentos de percussão, cujo som e timbre criam um ambiente profano. Aliás, até hoje, é recomendado o uso do órgão, como o instrumento mais próprio para a Igreja, o que infelizmente não é observado em muitos lugares.






[1] “Neste tempo forte do vosso ministério episcopal, que é a visita ad limina, é para mim uma grande alegria acolher a vós que tendes o encargo pastoral da Igreja na Região Leste 1 do Brasil, da qual fazem parte as dioceses do estado do Rio de Janeiro e a ‘União São João Maria Vianney’, que eu quis constituir em Campos como Administração Apostólica Pessoal” – Discurso do S. Padre o Papa João Paulo II aos bispos do Regional Leste 1, na visita ad limina, 5 de setembro de 2002. 

NATAL HOJE E SEMPRE

             “Transcorridos muitos séculos desde que Deus criou o mundo e fez o homem  à sua imagem; - séculos depois de haver cessado o dilúvio, quando o Altíssimo fez resplandecer o arco-íris, sinal de aliança e de paz; - vinte e um séculos depois do nascimento de Abraão, nosso pai; - treze séculos depois da saída de Israel do Egito, sob a guia de Moisés; - cerca de mil anos depois da unção de Davi, como rei de Israel; - na septuagésima quinta semana da profecia de Daniel; - na nonagésima quarta Olimpíada de Atenas; - no ano 752 da fundação de Roma; - no ano 538 do edito de Ciro, autorizando a volta do exílio e a reconstrução de Jerusalém; - no quadragésimo segundo ano do império de César Otaviano Augusto, enquanto reinava a paz sobre a terra, na sexta idade do mundo: JESUS CRISTO DEUS ETERNO E FILHO DO ETERNO PAI, querendo santificar o mundo com a sua vinda, foi concebido por obra do Espírito Santo e se fez homem; transcorridos nove meses, nasceu da Virgem Maria, em Belém de Judá. Eis o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a natureza humana. Venham, adoremos o Salvador! Ele é Emanuel, Deus Conosco”. Este é o solene anúncio oficial do Natal, feito pela Igreja na primeira Missa da noite de Natal!
            O Natal é a primeira festa litúrgica, o recomeçar do ano religioso, como a nos ensinar que tudo recomeçou ali. O nascimento de Jesus foi o princípio da revelação do grande mistério da Redenção que começava a se realizar e já tinha começado na concepção virginal de Jesus, o novo Adão. Deus queria que o seu projeto para a humanidade fosse reformulado num novo Adão, já que o primeiro Adão havia falhado por não querer se submeter ao seu Senhor, desejando ser o senhor de si mesmo e juiz do bem e do mal. Assim, Deus enviou ao mundo o seu próprio Filho, o Verbo eterno, por quem e com quem havia criado todas as coisas. Esse Verbo se fez carne, incarnou-se no puríssimo seio da Virgem, por obra do Espírito Santo, e começou a ser um de nós, nosso irmão, Jesus. Veio ensinar ao homem como ser servo de Deus. Por isso, sendo Deus, fez-se em tudo semelhante a nós, para que tivéssemos um modelo bem próximo de nós e ao nosso alcance. Jesus é Deus entre nós, o “Emanuel – Deus conosco”. Assim, o Natal traz lições para todas as épocas do ano.
São Francisco de Assis inventou o presépio, a representação iconográfica do nascimento de Jesus, para que refletíssemos nas grandes lições desse maior acontecimento da história da humanidade, seu marco divisor, fonte de inspiração para pintores e místicos.
Que tal se fizéssemos um Natal contínuo, pensando mais no divino Salvador, na sua doutrina, no seu amor, nas virtudes que nos ensinou, unindo-nos mais a ele pela oração e encontro pessoal com ele, imitando o seu exemplo, praticando a caridade, convivendo melhor com nossa família...

Desse modo a mensagem do Natal vai continuar durante todo o Ano Novo, que assim será abençoado e feliz. FELIZ NATAL E ABENÇOADO ANO NOVO!

UM NATAL FELIZ E ALEGRE

          Em companhia de Maria e José, ouvindo as palavras do profeta Isaías e de João Batista: “Preparai o caminho para a vinda do Senhor” (Is 40, 3) e incentivados por São Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor” (Fl 4,4), estamos nos preparando para um Natal feliz e alegre, como foi o primeiro Natal. Nasceu Jesus, o Messias! Deus se fez homem! E os anjos anunciaram aos pastores essa felicidade. A reaparição da estrela misteriosa fez renascer a alegria e a felicidade no coração dos Magos que vieram do Oriente (Mt 2, 10).
Segundo a filosofia (Cícero e Boécio), felicidade é o estado constituído pelo acúmulo de todos os bens com a ausência de todos os males. Então, como poderemos chamar feliz um Natal onde houve desprezo, rejeição – Jesus nasceu numa estrebaria por falta de lugar para Ele nas casas e nas hospedarias -, lágrimas, gritos, morte, luto – Herodes, perseguindo Jesus, mandou matar as crianças de Belém – fuga, desterro, pobreza, sacrifícios? Realmente, felicidade perfeita, na definição filosófica, só se encontrará no Céu, na Jerusalém celeste, onde Deus “enxugará toda a lágrima dos seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque tudo isto passou” (Ap 21,4).
É a grande lição do Natal: é possível ser feliz na dor, no desprezo, no luto, aqui na terra. Aqui, a felicidade consiste em ter Jesus, em estar com Jesus, em amar Jesus de todo o coração, com a esperança de tê-lo perfeitamente um dia no Céu. Talvez tenha sido essa a felicidade que Assis Valente, autor de “Anoiteceu”, não conhecia quando a pediu ao Papai Noel. Talvez por isso tenha se matado, pois ele e ela, como ele imaginava, não vieram.
O cristão é otimista e feliz, por causa da esperança. Mesmo quando sofre. Por isso, o primeiro Natal foi cheio de felicidade. A pobre estrebaria de Belém era o Céu. Ali faltava tudo e não faltava nada. Ali estava a felicidade que a todos encheu de alegria: Jesus.      
       “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (Papa Francisco, Evangelii gaudium, 1). O presépio de Belém é o princípio da pregação de Jesus, o resumo do seu Evangelho. Daquele pequeno púlpito, silenciosamente, ele nos ensina o desprezo da vanglória desse mundo, o valor da pobreza e do desprendimento, o nada das riquezas, a necessidade da humildade, o apreço das almas simples, a paciência, a mansidão, a caridade para com o próximo, a harmonia na convivência humana, o perdão das ofensas, a grandeza de coração, enfim, as virtudes cristãs que fariam o mundo muito melhor, se as praticasse.
      É por isso que o Natal cristão é festa de paz e harmonia, de confraternização em família, de troca de presentes entre amigos, de gratidão e de perdão. Pois é a festa daquele que, sendo Deus, tornou-se nosso irmão aqui na terra, ensinando-nos o que é a felicidade.

   É assim que desejo a você, caro/a leitor/a, um verdadeiro ALEGRE E FELIZ NATAL!  

NOSSA SENHORA DO Ó

              Advento é o tempo da expectativa e preparação do Natal. Nas Vésperas dos dias que antecedem a grande festa natalina, cantam-se as belíssimas antífonas latinas que começam com a exclamação de desejo “Ó!”: Ó Sabedoria, Ó Adonai, Ó Raiz de Jessé, Ó Chave de Davi, Ó Oriente, Ó Rei das Nações, Ó Emanuel, palavras das antigas profecias bíblicas, referentes ao Salvador cujo nascimento celebraremos no Natal.
            O modelo para nós de expectativa do Messias é a sua Mãe, Maria Santíssima. Por causa dessas antífonas da expectação, o povo deu a ela o título de Nossa Senhora do Ó. É uma devoção muito antiga, surgida na Espanha e em Portugal. Aqui no Brasil, em São Paulo, temos a “Freguesia (paróquia) do Ó”, bairro, onde se encontra a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Expectação do Ó, cuja construção começou em 1610.
              A devoção a Nossa Senhora é inata no povo católico. Enquanto os teólogos, durante séculos, discutiam a base teológica da Imaculada Conceição da Virgem Maria – o dogma de fé só foi proclamado por Pio IX no dia 8 de dezembro de 1864 -, o povo católico já a cultuava por toda a parte. Desde os primeiros séculos, os cristãos já honravam essa prerrogativa de Maria. No século VIII, o culto foi autorizado nas igrejas. A partir do século XII, espalhou-se a celebração dessa festa. Clemente XI, em 1708, a elevou a festa de preceito. Fizeram há pouco uma pesquisa na França sobre quem acreditava no pecado original. 70% afirmaram que não. Mas à pergunta sobre quem acreditava na Imaculada Conceição, 70% afirmaram que sim!
Amanhã celebraremos Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina. Sob diversos nomes, Maria Santíssima é patrona de muitos países do Novo Mundo, e sua devoção está no coração de todos. Mas, no discurso inaugural da Conferência do CELAM, em Aparecida, o Santo Padre, o Papa Bento XVI, constatava: “Percebe-se certo enfraquecimento da vida cristã no conjunto da sociedade e da própria pertença à Igreja Católica”. Em cima dessa afirmação, os Bispos da América Latina e do Caribe, reconhecendo os aspectos positivos da evangelização do nosso continente, que nos alegram, não deixaram de reconhecer algumas sombras: “Observamos que o crescimento percentual da Igreja não segue o mesmo ritmo que o crescimento populacional... Verificamos, deste modo, uma mentalidade relativista no ético e no religioso.... Nas últimas décadas vemos com preocupação, que numerosas pessoas perdem o sentido transcendental de suas vidas e abandonam as práticas religiosas...”. Estamos em “um novo período da história, caracterizado pela desordem generalizada..., pela difusão de uma cultura distante e hostil à tradição cristã e pela emergência de variadas ofertas religiosas que tratam de responder, à sua maneira, muitas vezes errônea, à sede de Deus que nossos povos manifestam”.
A graça que pedimos a Deus, por meio da Senhora de Guadalupe: que o nosso povo não tenha só o verniz cristão de uma devoção superficial, mas que viva em coerência com a sua Fé.


ADVENTO

        Palavra oriunda do latim, significando “vinda”, Advento é o tempo litúrgico de preparação para o Natal, sendo, na expressão do Papa Francisco, “um novo caminho do Povo de Deus com Jesus Cristo, o nosso Pastor, que nos guia na história para o cumprimento do Reino de Deus e nos faz experimentar um sentimento profundo do sentido da história. Redescobrimos a beleza de estar todos em caminho: a Igreja, com a sua vocação e missão, e toda a humanidade, os povos, as culturas, todos em caminho pelos caminhos do tempo”.
“Mas em caminho para onde? Há uma meta comum? E qual é esta meta?”, pergunta o Papa. “Este caminho não está nunca concluído. Como na vida de cada um de nós, há sempre necessidade de começar de novo, de levantar-se, de reencontrar o sentido da meta da própria existência, assim, para a grande família humana é necessário renovar sempre o horizonte comum rumo ao qual somos encaminhados. O horizonte da esperança! Este é o horizonte para fazer um bom caminho. O tempo do Advento, que começamos de novo, nos restitui o horizonte da esperança, uma esperança que não desilude porque é fundada na Palavra de Deus. Uma esperança que não desilude, simplesmente porque o Senhor não desilude nunca! Ele é fiel! Ele não desilude! Pensemos e sintamos esta beleza” (Angelus, 1/12/2013).
Por isso, a Igreja nos convida à mudança de vida, ou seja, à conversão, a “despertarmos do sono” (Rm 13,11), a sairmos da mediocridade.
Celebramos duas vindas de Jesus Cristo ao mundo. A primeira, com a sua encarnação, ocorrida historicamente há cerca de dois mil anos, celebraremos no Natal. A segunda, em que meditamos no tempo do Advento, é o retorno glorioso no fim dos tempos. Como disse o Papa Bento XVI, “esses dois momentos, que cronologicamente são distantes – e não se sabe o quanto -, tocam-se profundamente, porque com sua morte e ressurreição Jesus já realizou a transformação do homem e do cosmo que é a meta final da criação. Mas antes do final, é necessário que o Evangelho seja proclamado a todas as nações, disse Jesus no Evangelho de São Marcos (cf. Mc 13,10). A vinda do Senhor continua, o mundo deve ser penetrado pela sua presença. E esta vinda permanente do Senhor no anúncio do Evangelho requer continuamente nossa colaboração; e a Igreja, que é como a Noiva, a esposa prometida do Cordeiro de Deus crucificado e ressuscitado (cf. Ap 21,9), em comunhão com o Senhor colabora nesta vinda do Senhor,  na qual já inicia o seu retorno glorioso”(Angelus, 2/12/2012).

Há ainda uma terceira vinda de Cristo, também celebrada no Natal. Acontece em nosso coração, pela sua graça. Essa será a grande alegria do Natal: “O encontro pessoal com o amor de Jesus que nos salva... A ALEGRIA DO EVANGELHO enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (Francisco, Evangelii Gaudium). 

AS 12 ESTRELAS

               A bandeira da União Européia (UE), estabelecida pelo Tratado de Maastricht na década de 1990, possui 12 estrelas douradas que formam um círculo sobre um fundo azul. Essa bandeira aparece na face de todas as notas de “Euro” e as estrelas em todas as moedas. Essa bandeira foi criada pelo designer francês católico Arsène Heitz, que ganhou a competição para a escolha do símbolo maior da UE. Heitz disse que se inspirou na “Medalha Milagrosa” que ele usava no pescoço. O simbolismo da bandeira é uma clara alusão à devoção mariana, que atribui a Nossa Senhora a passagem do início do capítulo 12 do Apocalipse: “E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e sobre a cabeça uma coroa de 12 estrelas”. O presidente da comissão julgadora era um judeu belga que se convertera ao catolicismo e foi bastante sensível ao número 12 que, na simbologia bíblica, representa a perfeição: 12 tribos de Israel, 12 Apóstolos, 12 meses do ano, etc.
            Interessante e irônico! A Europa, que cada vez mais rejeita os valores cristãos, que tinha recusado estampar a cruz na sua bandeira por ser um símbolo cristão, acabou colocando nela um símbolo mariano, honrando assim a Mãe de Jesus. “Ad Jesum per Mariam!” Parece com a história daquele ateu que não conseguia rezar o Pai-Nosso, e tentou rezar a Ave-Maria: é claro que se converteu. Chegou, por Maria, até Jesus. Caminho seguro!
            A “Medalha Milagrosa”, que inspirou o designer francês, tem origem na célebre aparição de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, então noviça das Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo, em Paris, em 27 de novembro de 1830, há precisamente 183 anos. A Virgem lhe apareceu sobre um grande globo, com os braços estendidos e dedos ornados por anéis que irradiavam luz e rodeada por uma frase que dizia: Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”. E lhe disse: “Faz cunhar uma medalha onde apareça minha imagem como vês agora. Todos os que a usarem receberão grandes graças”. E Maria lhe mostrou como deveria ser o verso da medalha: a letra M, monograma de Maria, com uma cruz em cima, os Corações de Jesus e de sua Mãe, contornado por uma coroa de 12 estrelas.
            A frase inscrita na medalha sintetiza a mensagem que a Virgem revelou: sua Imaculada Conceição, que seria proclamada dogma de Fé em 1854, pelo Papa Pio IX, e ratificada na aparição de Lourdes em 1858, e a mediação da Mãe de Deus junto ao seu Divino Filho: Maria, Medianeira imaculada. Assim temos Nossa Senhora das Graças, da Medalha Milagrosa.
            Interessante é que de início, o padre confessor de Santa Catarina, Pe. Jean Marie Aladel, não acreditou no que ela lhe contou, mas depois de dois anos de cuidadosa observação, ele se dirigiu ao Arcebispo, que ordenou a cunhagem das medalhas, que se espalharam pela Europa e por todo o mundo, sendo o veículo de inúmeras graças de Deus.

            O Papa Pio XII chamou Santa Catarina Labouré de “a santa do silêncio”, pois guardou consigo até à morte o segredo dessa aparição. 

O ESCÂNDALO DA CORRUPÇÃO

              Já falamos no assunto. Mas como a corrupção é um dos piores crimes, disseminada por toda a parte, o Papa Francisco voltou a tratar do assunto na semana passada.
           Ainda quando Cardeal, o Papa falava de uma corrupção que é “o joio do nosso tempo”. E o pior: “o corrupto não percebe sua corrupção. Ocorre como com o mau hálito: dificilmente aquele que tem mau hálito o percebe. Os outros é que o sentem e têm que lhe dizer. Por isso, também, dificilmente o corrupto pode sair de seu estado por remorso interno. Seu bom espírito dessa área está anestesiado”. Falando agora, o Papa diferencia a corrupção do simples pecado. Segundo ele, “aquele que peca e se arrepende, pede perdão, se sente frágil, se sabe filho de Deus, se humilha e pede a salvação a  Jesus”. Mas quem é corrupto, “escandaliza”, não pelas suas culpas, mas porque “não se arrepende”, “continua a pecar e, mesmo assim, finge que é cristão”. É alguém que leva, enfim, uma “vida dupla”. E isso “faz muito mal” para a Igreja, para a sociedade e para o próprio homem.
            “É inútil que alguém diga ‘Eu sou um benfeitor da Igreja! Eu coloco a mão no bolso e ajudo a Igreja’, se depois, com a outra mão, rouba do Estado, rouba dos pobres”. E o Papa recorda a afirmação de Jesus no Evangelho: “Mais vale a esse que lhe pendurem uma pedra de moinho ao pescoço e seja lançado ao mar!”. “Aqui não se fala de perdão”, observa o papa, o que esclarece ainda mais a diferença entre corrupção e pecado. Jesus “não se cansa de perdoar” e nos exorta a perdoar até sete vezes por dia o irmão que se arrepende. No mesmo Evangelho, porém, Cristo adverte: “Ai daquele que provoca escândalos!”. Jesus “não está falando de pecado, mas de escândalo, que é outra coisa”, ressalta o papa. Quem escandaliza engana, e “onde há engano não há o Espírito de Deus. Esta é a diferença entre o pecador e o corrupto”: quem leva “vida dupla é corrupto”; quem “peca, mas gostaria de não pecar”, é apenas “fraco”: este “recorre ao Senhor” e pede perdão. “Deus o ama, o acompanha, está com ele”.
Todos nós “devemos nos reconhecer pecadores. Todos nós”. Mas “o corrupto está amarrado a um estado de suficiência, não sabe o que é a humildade”. Jesus chamava esses corruptos de “hipócritas”, ou, pior ainda, de “sepulcros caiados”, que parecem “bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão. Uma podridão envernizada: esta é a vida dos corruptos. E um cristão, que se gaba de ser cristão, mas que não leva vida de cristão, é um desses corruptos”.
“Nós todos conhecemos alguém que está nesta situação: cristãos corruptos, padres corruptos... Quanto mal eles causam à Igreja, porque não vivem no espírito do Evangelho, mas no espírito do mundanismo”. Mundanismo é um perigo a respeito do qual São Paulo já alertava os cristãos de Roma, escrevendo: “Não se conformem com a mentalidade deste mundo”. E, comenta o Papa: “Na verdade, o texto original é mais forte, porque nos diz para não entrarmos nos esquemas deste mundo, nos parâmetros deste mundo, ou no mundanismo espiritual”.

OS DIVORCIADOS RECASADOS

         A Igreja é mãe que recebe a todos, especialmente os pecadores, a exemplo de Jesus, que os recebia, tomava refeição com eles e até se hospedava em sua casa. Mas não para conservá-los no pecado, mas para a sua conversão: “Vai e não tornes a pecar”!
O Papa Francisco, fiel ao Divino Fundador da Igreja, segue o mesmo caminho, sobretudo quando exprime o desejo de querer integrar melhor à Igreja os divorciados recasados. Mas isso não deixou de suscitar uma discussão sobre se a Igreja mudaria sua posição, o que levou o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Dom Gerard Ludwig Müller, a esclarecer a questão em um artigo sobre matrimônio, família e cuidado pastoral dos divorciados, publicado pelo Jornal da Santa Sé, L’Osservatore Romano.
Nesse artigo, ele relembra que Jesus foi claro quanto à indissolubilidade do matrimônio, querida por Deus: “Mas no início da criação varão e mulher os criou, por isso o homem deixará seu pai e sua mãe e unir-se-á à sua mulher e os dois serão uma só carne... Por conseguinte, não separe o homem o que Deus uniu” (Mc. 10, 5-9). É um pacto instituído por Deus e que não está na disponibilidade dos homens.  E cita São Paulo: «Mando aos casados, não eu, mas o Senhor, que a mulher se não separe do marido. Se, porém, se separar, que não torne a casar, ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não repudie a mulher» (1 Cor 7, 10-11)”.

Na fidelidade a Jesus, aos Apóstolos e à Tradição cristã, o ensinamento dogmático da Igreja acerca do Matrimônio, foi bem expresso na Exortação apostólica Familiaris consortio, de João Paulo II, que, sob o ponto de vista pastoral, fala do cuidado dos fiéis recasados no civil, mais ainda vinculados por um matrimônio válido para a Igreja, expondo algumas normas: Os pastores e as comunidades são obrigados a ajudar «com caridade solícita» os fiéis concernidos; também eles pertencem à Igreja, têm direito à cura pastoral e devem poder participar da vida da Igreja. A admissão à Eucaristia não lhes pode, contudo, ser concedida, porque: a) «o seu estado e condição de vida estão em contraste objetivo com aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e realizada pela Eucaristia»; b) «se se admitissem estas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio». Uma reconciliação mediante o sacramento da penitência – que abriria o caminho ao sacramento eucarístico – só pode ser concedida com base no arrependimento em relação a quanto aconteceu, e com a disponibilidade «a uma forma de vida já não em contradição com a indissolubilidade do matrimônio». Isto comporta, em concreto, que quando a nova união não pode ser dissolvida por motivos sérios – como, por exemplo, a educação dos filhos – ambos os cônjuges «assumem o compromisso de viver em continência total». Por motivos teológico-sacramentais, e não por uma constrição legal, ao clero é expressamente feita a proibição, enquanto subsiste a validade do primeiro matrimônio, de concretizar «cerimônias de qualquer gênero» a favor de divorciados que se recasam civilmente.

EVANGELIZAÇÃO NA ERA DIGITAL

         Estou em Recife PE, participando de um Curso de Comunicação para os Bispos da Igreja no Brasil, promovido pelo Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, com o tema “Comunicação e evangelização na era digital: uma abordagem teórico-prática”, coordenado pela Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da CNBB e sediado na Arquidiocese de Olinda e Recife.
O objetivo do curso é uma reflexão e um debate sobre a comunicação, a natureza de suas práticas e os desafios da evangelização da Igreja no Brasil no contexto da cultura gerada pelas novas tecnologias. Inclui laboratórios onde temos a oportunidade de manipular e conhecer as técnicas e linguagens da televisão e oratória, produção do jornal impresso e online, programas de rádios, internet e mídias sociais.
Entre as muitas palestras, ressalto a de Dom Cláudio Maria Celli, presidente do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, sobre “Comunicação e evangelização na era digital”. O prof. Moisés Sbardelotto, doutorando em Ciências da Comunicação, falou sobre “Comunicação e mudanças socioculturais provocadas pelas tecnologias digitais”. O Pe. Antônio Spadaro, SJ, diretor da revista Civiltà Catolica, aquele que fez a longa entrevista com o Papa Francisco, nos falará sobre “Ciberteologia: evangelização e espiritualidade para a comunicação em rede”.
Dom Cláudio Maria Celli tem ainda uma interessante conferência sobre “Discípulos missionários na era da cultura digital: perspectivas e ações para a evangelização”. Por isso, o curso compreende também exercícios práticos, onde aprendemos a utilizar as principais ferramentas de comunicação das “redes sociais digitais”, como sites, blog, MSN, Skype, twetter, facebook, entre outros.
Falando sobre os “mass media”, Paulo VI  já dizia: “ A Igreja viria a sentir-se culpável diante do seu Senhor, se ela não lançasse mão destes meios potentes que a inteligência humana torna cada dia mais aperfeiçoados. É servindo-se deles que ela ‘proclama sobre os telhados’, (Mt 10,27) a mensagem de que é depositária. Neles encontra uma versão moderna e eficaz do púlpito. Graças a eles consegue falar às multidões” (Evangelii nuntiandi, 45).
A mensagem preparada pelo Papa Bento XVI para o 47º dia mundial das comunicações sociais, ocorrido no dia 12 de maio de 2013, teve como tema: “Redes sociais: portais de verdade e de fé; novos espaços de evangelização”. Nessa mensagem, Bento XVI ensina que “procurando tornar o Evangelho presente no ambiente digital, podemos convidar as pessoas a viverem encontros de oração ou celebrações litúrgicas em lugares concretos como igrejas ou capelas. Não deveria haver falta de coerência ou unidade entre a expressão da nossa fé e o nosso testemunho do Evangelho na realidade onde somos chamados a viver, seja ela física ou digital... Somos chamados a dar a conhecer o amor de Deus até aos confins da terra”.

FALECIDOS, NÃO MORTOS


           No próximo dia 2 celebraremos a memória dos fieis defuntos, dos nossos falecidos, daqueles que estiveram conosco e hoje estão na eternidade, os “finados”, aqueles que chegaram ao fim da vida terrena e já começaram a vida eterna. Portanto, não estão mortos, estão vivos, mais até do que nós, na vida que não tem fim, “vitam venturi saeculi”. Sua vida não foi tirada, mas transformada. Por isso, o povo costuma dizer dos falecidos: “passou desta para a melhor!” Olhemos, portanto, a morte com os olhos da fé e da esperança cristã, não com desespero pensando que tudo acabou. Uma nova vida começou eternamente. 
 Os pagãos chamavam o local onde colocavam os seus defuntos de necrópole, cidade dos mortos. Os cristãos inventaram outro nome, mais cheio de esperança, “cemitério”, lugar dos que dormem. É assim que rezamos por eles na liturgia: “Rezemos por aqueles que nos precederam com o sinal da fé e dormem no sono da paz”.
            Os santos encaravam a morte com esse espírito de fé e esperança. Assim São Francisco de Assis, no cântico do Sol: “Louvado sejais, meu Senhor, pela nossa irmã, a morte corporal, da qual nenhum homem pode fugir. Ai daqueles que morrem em pecado mortal. Felizes dos que a morte encontra conformes à vossa santíssima vontade. A estes não fará mal a segunda morte”. “É morrendo que se vive para a vida eterna!”. S. Agostinho nos advertia, perguntando: “Fazes o impossível para morrer um pouco mais tarde, e nada fazes para não morrer para sempre?”
            Quantas boas lições nos dá a morte. Assim nos aconselha o Apóstolo São Paulo: “Enquanto temos tempo, façamos o bem a todos” (Gl 6, 10). “Para mim o viver é Cristo e o morrer é um lucro... Tenho o desejo de ser desatado e estar com Cristo” (Fl 1, 21.23). “Eis, pois, o que vos digo, irmãos: o tempo é breve; resta que os que têm mulheres, sejam como se as não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se dele não usassem, porque a figura deste mundo passa” (1 Cor 7, 29-31).
            Diz o célebre livro A Imitação de Cristo que bem depressa se esquecem dos falecidos: “Que prudente e ditoso é aquele que se esforça por ser tal na vida qual deseja que a morte o encontre!... Não confies em amigos e parentes, nem deixes para mais tarde o negócio de tua salvação; porque, mais depressa do que pensas se esquecerão de ti os homens. Melhor é fazeres oportunamente provisão de boas obras e enviá-las adiante de ti, do que esperar pelo socorro dos outros” (Imit. I, XXIII). O dia de Finados foi estabelecido pela Igreja para não deixarmos nossos falecidos no esquecimento.
            Três coisas pedimos com a Igreja para os nossos falecidos: o descanso, a luz e a paz. Descanso é o prêmio para quem trabalhou. O reino da luz é o Céu, oposto ao reino das trevas que é o inferno. E a paz é a recompensa para quem lutou. Que todos os que nos precederam descansem em paz e a luz perpétua brilhe para eles. Amém

PEREGRINAÇÃO EM ROMA

          Estou em Roma, “cidade eterna”, para acompanhar a Peregrinação internacional Summorum Pontificum, da qual fui convidado para celebrar a Missa Solene Pontifical de encerramento, na Basílica de Santa Maria sopra Minerva, no próximo domingo, dia 27. Hoje, quarta-feira, estarei presente na audiência do Santo Padre, o Papa Francisco, na Praça de São Pedro. Além de cumprimentar pessoalmente o Papa, dele receberei a bênção especial para todos os que me são caros, entre os quais incluo os meus leitores.
            Um dos pontos altos dessa peregrinação será a Missa celebrada na Basílica de São Pedro, no sábado, dia 26, pelo Cardeal Dom Dario Castrillón Hoyos, o mesmo que, em nome do Papa, erigiu a nossa Administração Apostólica e presidiu a minha ordenação episcopal.
            Haverá também uma Missa Pontifical celebrada por Dom Athanasius Schneider, Bispo auxiliar de Astana, no Cazaquistão, além de muitos outros atos religiosos, tais como Vésperas solenes, oficiada por Dom Guido Pozzo, secretário da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, um encontro sacerdotal com Dom Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a promoção da nova Evangelização, Via Sacra sobre a colina do Palatino e adoração eucarística na Chiesa Nuova.
            Todas as Missas dessa peregrinação serão celebradas na forma antiga do Rito Romano, pois essa romaria é dirigida aos sacerdotes e fiéis ligados a essa forma litúrgica, que foi concedida a toda a Igreja pelo Papa Bento XVI, com o motu próprio Summorum Pontificum, daí o nome da Peregrinação.
A antiga forma da Liturgia Romana, chamada também forma extraordinária, é uma das riquezas litúrgicas católicas e foi usada por muitos santos por vários séculos. É conservada por muitas congregações religiosas, paróquias, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo; no Brasil, são mais de 100 lugares onde se conserva essa Liturgia, com a devida permissão dos Bispos locais, como deve sempre ser. Como todos sabem, nós também a conservamos em nossa Administração Apostólica, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé, por apreciar essa beleza litúrgica, clara expressão católica dos dogmas eucarísticos. E a Santa Sé reconhece essa nossa sensibilidade e adesão como perfeitamente legítimas. Assim se expressara o então Cardeal Ratzinger: “Se bem que haja numerosos motivos que possam ter levado um grande número de fiéis a encontrar refúgio na liturgia tradicional, o mais importante dentre eles é que eles aí encontram preservada a dignidade do sagrado” (Conferência aos Bispos chilenos, Santiago, 13/7/1988). A nossa presença nessa peregrinação significa o nosso apoio a esses católicos de todo o mundo e, ao mesmo tempo, tem a finalidade de mostrar-lhes a correta posição de conservar a liturgia tradicional em perfeita comunhão com o Santo Padre, o Papa, e com toda a Igreja. Assim, desse modo bem compreendida, a Missa na forma antiga contribui grandemente para a correta “ars celebrandi” e para a “paz litúrgica” na Igreja, como desejava Bento XVI.


DIA DO PROFESSOR

        Ontem, dia 15, dia de Santa Teresa de Jesus, grande mestra da vida espiritual, e exatamente por isso, é comemorado o dia do professor. Deixo aqui consignada a minha saudação e gratidão a todos os que se dedicam a essa nobre e benemérita carreira, difícil, mas nem sempre reconhecida e condignamente gratificada. Mais do que uma profissão, educar é uma arte, uma vocação e uma missão: formar, conduzir crianças, jovens e adultos no caminho da verdade, sugerindo opiniões conscientes, aconselhando e tornando-se amigos e irmãos dos seus alunos. Que Deus os abençoe e lhes dê coragem, paciência e perseverança.
Ser professor é ser educador e mestre. E ser mestre é muito mais do que ensinar matérias, como bem escreveu o nosso ilustre poeta Antônio Roberto Fernandes, de saudosa memória: “Ser mestre não é só contar a história/ de um certo Pedro Álvares Cabral/ Mas descobrir, de novo, a cada dia, um mundo grande, livre, fraternal. Ser mestre não é só mostrar nos mapas/ onde se encontra o Pico da Neblina/ Mas é subir, guiando os alunos,/ à montanha da vida que se empina... Ser mestre é ser o pai, a mãe, o amigo,/ mostrando sempre a direção da luz,/ pois a palavra Mestre – sobretudo –/ também é um dos nomes de Jesus.”
            A melhor definição de educação nós a encontramos no Direito Canônico, conjunto de normas da Igreja (cânon 795): é a formação integral da pessoa humana, dirigida ao seu fim último e, ao mesmo tempo, ao bem comum da sociedade, de modo que as crianças e jovens possam desenvolver harmonicamente seus dotes físicos, morais e intelectuais, adquirir um sentido mais perfeito da responsabilidade e um uso correto da liberdade, preparando-se para participar ativamente da vida social. Que missão nobre, sublime e difícil a do professor-educador! Indicando aos alunos o sentido da vida, ele vai ajudá-los a dominar seus instintos e a dirigi-los pela razão, a desenvolver o conjunto de suas faculdades, a combater as más paixões e desenvolver as boas, a adquirir o domínio de si e a orientar seus sentimentos, levando em conta as diversas fases da vida e as características do seu temperamento, formando assim sua personalidade e seu caráter. Sendo assim, o mestre é cooperador da Graça de Deus, que, como Pai, só quer o bem dos seus filhos.
            Mas, será que vale a pena tanto esforço por tão pouco reconhecimento e tão pouco salário? “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Se o professor trabalha por vocação, sentir-se-á recompensado pelos frutos do seu trabalho, mesmo que não apareçam imediatamente.

            A você, portanto, caro professor e querida professora, a nossa homenagem por ter recebido de Deus tão nobre e importante missão e a nossa gratidão reconhecida pelo seu trabalho, que não se mede pela produção imediata, mas por frutos, muitas vezes escondidos, que só vão aparecer ao longo da vida e que estarão escritos no livro da eternidade. 

A SENHORA APARECIDA

            No próximo dia 12, celebraremos a Padroeira do Brasil. Em suas caravelas, ornadas com a Cruz da Ordem de Cristo, os portugueses trouxeram-nos a devoção à Mãe de Jesus: Pedro Álvares Cabral, na sua nau capitânia, transportava a imagem de Nossa Senhora da Esperança.
Mas a devoção a Nossa Senhora Aparecida começou em 1717, quando, por ocasião da visita do Conde de Assumar à cidade de Guaratinguetá, SP, foi pedido aos pescadores locais peixes para o banquete do nobre visitante. Três pescadores, amigos entre si, João Alves, Domingos Garcia e Vicente Pedroso, tentavam e não conseguiam os peixes que necessitavam, quando apanharam em suas redes uma pequena imagem truncada de Nossa Senhora da Conceição e a seguir, num lance de rede sucessivo, a cabeça da mesma imagem, conseguindo, num terceiro lance, imensa quantidade de peixes. A esse milagre sucederam muitos outros. A imagem foi chamada de “Aparecida” e colocada numa pequena capela que, com o tempo, tornou-se o monumental Santuário Nacional, maior centro de peregrinação do país.
É óbvio que ali houve algo sobrenatural. Pois como explicar que uma simples imagem, quebrada, pudesse atrair milhões de pessoas em oração fervorosa, ininterruptamente, há quase três séculos, sem uma intervenção divina e uma bênção especial da Mãe de Jesus?
Em 1904, Nossa Senhora Aparecida, foi coroada Rainha do Brasil. No Congresso Mariano de 1929, quando se comemorou o Jubileu de Prata dessa Coroação, os bispos do Brasil decidiram enviar um pedido ao Papa para que declarasse Nossa Senhora Aparecida Padroeira de toda a nação brasileira. Este pedido tornou-se realidade através do Decreto do Papa Pio XI, de 16 de julho de 1930, no qual diz: “... Na plenitude de nosso Poder Apostólico, pelo teor da presente Carta, constituímos e declaramos a Beatíssima Virgem Maria concebida sem mancha, conhecida sob o título de Aparecida, Padroeira principal de todo o Brasil junto de Deus... concedendo isso para promover o bem espiritual dos fiéis no Brasil e para aumentar, cada vez mais, sua devoção à Imaculada Mãe de Deus...”.
A proclamação oficial se realizou numa grande manifestação popular de um milhão de pessoas, no Rio de Janeiro, então capital federal, com o reconhecimento oficial do Governo do país, pela presença do seu Presidente, Dr. Getúlio Dornelles Vargas, e de outras autoridades civis, militares e eclesiásticas. Era o Brasil reconhecendo oficialmente sua padroeira.
Que o Brasil, que nasceu católico desde a sua descoberta, cujo primeiro monumento foi um altar e uma cruz, que teve como primeira cerimônia uma Missa, que tem essa Senhora Padroeira, mostre-se digno de tais origens e de tal Patrona, em suas instituições, suas leis, seus governantes, sua política, seus legisladores, sua população e seu modo de viver, na verdadeira justiça e caridade, na ordem e no verdadeiro progresso, na harmonia e no bem comum, na lei de Deus e na coerência com os princípios da fé cristã, base da nossa identidade pátria e princípio de toda a convivência honesta, solidária e pacífica.


UMA ADVERTÊNCIA DO PAPA

        A Igreja tem dezenas de ritos, orientais e latinos, expressões litúrgicas diferentes do mesmo culto prestado a Deus A diversidade litúrgica, quando legítima, é fonte de enriquecimento, manifesta a catolicidade da Igreja e não prejudica a sua unidade, por significarem e comunicarem o mesmo mistério de Cristo (cf. C.I.C. nº 1206 e 1208).
Uma dessas riquezas litúrgicas católicas é a antiga forma da Liturgia Romana, chamada também forma extraordinária, usada por muitos santos por vários séculos. Nós a conservamos em nossa Administração Apostólica, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé, como o fazem igualmente muitas congregações religiosas, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo, por apreciar essa beleza litúrgica, clara expressão católica dos dogmas eucarísticos. E a Santa Sé reconhece essa nossa sensibilidade e adesão como perfeitamente legítimas. Assim se expressara o então Cardeal Ratzinger: “Se bem que haja numerosos motivos que possam ter levado um grande número de fiéis a encontrar refúgio na liturgia tradicional, o mais importante dentre eles é que eles aí encontram preservada a dignidade do sagrado” (Conferência aos Bispos chilenos, Santiago, 13/7/1988). Desse modo bem compreendida, a Missa na forma antiga contribui grandemente para a “pax litúrgica” na Igreja, como desejava Bento XVI.
Em sua famosa entrevista à revista Civiltá Cattolica, publicada em 19 de setembro último, o Papa Francisco, a respeito da Missa na forma antiga, ressaltou a prudência de Bento XVI ao estender a concessão da celebração dessa forma litúrgica a toda a Igreja, em atenção às pessoas que têm essa sensibilidade particular. Mas fez uma advertência: “Considero, no entanto, preocupante o risco da ideologização do Vetus Ordo, a sua instrumentalização”.
O risco da ideologização e instrumentalização ocorre naqueles que querem conservar a antiga liturgia independentemente da Hierarquia e, pior ainda, usá-la como fator de divisão e crítica ao Magistério da Igreja. Por isso escrevi na minha primeira mensagem pastoral de 5 de janeiro de 2003: “Conservemos a Tradição e a Liturgia tradicional, em união com a Hierarquia e o Magistério vivo da Igreja, e não em contraposição a eles”. É claro: “Em erro perigoso estão aqueles que julgam poder unir-se a Cristo, cabeça da Igreja, sem aderirem fielmente ao seu Vigário na terra” (Pio XII, Enc. Mystici Corporis, 40). A celebração da Santa Missa, pois, só é legítima se em comunhão com a hierarquia: “Somente neste contexto, tem lugar a celebração legítima da Eucaristia e a autêntica participação nela” (João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 35). “Que se considere legítima só esta Eucaristia que se faz sob a presidência do Bispo ou daquele a quem este encarregou” (S. Inácio de Antioquia, Smyrn., 8,1).
  “A diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas pode também provocar tensões, incompreensões recíprocas e até mesmo cismas. Neste campo, é claro que a diversidade não deve prejudicar a unidade. Esta unidade não pode exprimir-se senão na fidelidade à fé comum ... e à comunhão hierárquica” (João Paulo II, Vigesimus Quintus Annus, 16, 4/12/1988).


FUNDAMENTALISMO BÍBLICO

      O mês de setembro é o mês da Bíblia, todo dedicado a despertar e promover entre os fiéis o conhecimento e o amor dos Livros Santos, a Palavra de Deus escrita, redigida sob a moção do Divino Espírito Santo, motivando-os para sua leitura cotidiana, atenta e piedosa. No próximo dia 29, último domingo de setembro, celebraremos o dia nacional da Bíblia, véspera do dia de São Jerônimo, o grande tradutor dos Livros Santos.
      A Bíblia é o livro sagrado por excelência, escrito para o nosso bem. “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra” (II Tim 3, 16-17).
      O ponto central da Bíblia, convergência de todas as profecias, é Jesus Cristo. O Antigo Testamento é preparação para a sua vinda e o Novo, a realização do seu Reino. “O Novo estava latente no Antigo e o Antigo se esclarece no Novo” (Santo Agostinho).
      Devemos venerar profundamente as Sagradas Escrituras. Mas a religião cristã não é uma “religião do Livro”, como alguns a intitulam. O cristianismo é a religião da Palavra de Deus, não de uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo (São Bernardo). Por isso, proclamamos, ouvimos e acolhemos a Sagrada Escritura como Palavra de Deus, na linha da Tradição Apostólica, da qual é inseparável (Dei Verbum, 20).
      Assim sendo, a Igreja Católica reprova a leitura fundamentalista da Bíblia, que teve sua origem na época da Reforma Protestante e que pretende dar a ela uma interpretação literal em todos os seus detalhes. O “literalismo” propugnado pela leitura fundamentalista constitui uma traição tanto do sentido literal como do espiritual, abrindo caminho a instrumentalizações. O fundamentalismo tende a tratar o texto bíblico como se fosse ditado palavra por palavra pelo Espírito e não chega a reconhecer que a Palavra de Deus foi formulada numa linguagem e numa fraseologia condicionadas a cada época (cf. Bento XVI, Verbum Domini, 44). O fundamentalismo desnatura a mensagem da Palavra de Deus. Tem uma tendência a uma grande estreiteza de visão, considerando, por exemplo, conforme a realidade uma antiga cosmologia já ultrapassada, só porque se encontra expressa na Bíblia; isso impede o diálogo com uma concepção mais ampla das relações entre a cultura e a fé. Quer usar certos textos da Bíblia para confirmar ideias políticas e atitudes sociais marcadas por preconceitos racistas, por exemplo, simplesmente contrários ao Evangelho cristão (cf. Pont. Com. Bíblica – A Interpretação da Bíblia na Igreja).
      No rádio ou na TV, continuamente somos invadidos por mensagens fundamentalistas abrasadas contras os males do nosso tempo: anunciam catástrofes iminentes, possuem um código secreto que predisse certos eventos ocorridos no mundo, opõem-se à presença de mulheres trabalhando fora ou na política, etc., citando sempre a Bíblia ao pé da letra. Esse modo de interpretar é atraente e sedutor, como todo radicalismo, mas acaba por desacreditar e tornar antipática a própria Bíblia. Há que se notar, porém, que, embora o fundamentalismo bíblico tenha nascido no protestantismo, nem todos os evangélicos são fundamentalistas. E o fundamentalismo bíblico também pode atingir os meios católicos.