AS FONTES DO "MANUSCRITO"

            O meu último artigo – “um manuscrito polêmico” -, na verdade uma crônica em forma de parábola, criada por mim, não sem base na história da Igreja primitiva, nos Evangelhos e nos Atos, com aplicação aos tempos atuais, foi uma forma de mostrar que sempre houve problemas e falhas humanas na Igreja, olhados com bom e com mau espírito. Hoje, como antigamente, diante da crise atual na Igreja e de tantos escândalos e heresias até nos meios eclesiais, muitos católicos se encontram, com razão, perplexos e até desarvorados, com risco de perderem a fé. Alguns, ponderados, sabem entender e distinguir o joio do trigo, o bem e o mal, ficando com o bem e jogando fora e combatendo o mal. Outros atacam tudo, e até a Igreja como tal, caindo no mau espírito de crítica e lançando suspeitas sobre as pessoas.
          Por isso, escrevi aquele artigo, com o fim de reforçar a nossa fé na divindade da Igreja e nunca nos esquecermos da presença contínua do seu Divino Fundador e sua ação divina, através do Divino Espírito Santo, garantia da sua indefectibilidade e infalibilidade: “Eu estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt 28,20). A Barca de Pedro nunca afundará (Mt 16,18). Muitos, ao verem-na balançando no meio das tempestades, duvidaram, pularam fora dela e pereceram, enquanto ela continua firme: “esta Sé de São Pedro permanece imune de todo erro, segundo a promessa de Nosso Divino Salvador feita ao Príncipe de Seus Apóstolos: ‘Eu roguei por ti, para que tua Fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos’ (Lc 22,32). Pois este carisma da verdade e da fé, que nunca falta, foi conferido a Pedro e a seus sucessores nesta cátedra...” (Conc. Ecum. Vaticano I, Constituição Dogmática Pastor Aeternus, sobre a Igreja de Cristo).
      As “fontes” do “manuscrito” estão no Novo Testamento. Jesus chamou Judas e permitiu sua presença (Mt 10, 4), porque é bom e misericordioso, dando uma chance de mudança para todos até o final. Os apóstolos, mesmo vendo as ambições de Judas, não imaginavam que ele fosse até à traição.
       A presença de pessoas más na Igreja foi explicada por Jesus na parábola da rede de pesca: “o Reino dos Céus (a Igreja) é semelhante a uma rede que, lançada ao mar, colheu peixes de todo tipo...”. A separação dos maus dos justos só acontecerá no fim do mundo (Mt 13, 47-50). Na parábola do joio e do trigo, ele reforça a ideia da mistura de bons e maus em sua Igreja, que ele permite até o fim dos tempos (Mt 13, 24-30). Quem desejava uma Igreja feita só de pessoas boas e puras eram os hereges “cátaros”. Quem pensa em uma Igreja só de santos, deve aguardar o Céu.  
       Os fariseus sempre criticaram Jesus, sistematicamente, observando-o continuamente para ver se o apanhavam em algum deslize (Lc 6, 7 e Mt 22, 15). Os saduceus eram incrédulos (At 23 8), mas se uniam aos fariseus (Mt 16, 1). Sabe-se que toda comparação claudica e toda parábola é um tanto obscura, nem todos as entendiam. Mas os destinatários entendiam: “os fariseus ouviram as parábolas de Jesus e entenderam que estava falando deles” (Mt 21, 45).
      As divergências na Igreja primitiva são descritas nos Atos dos Apóstolos (At 6,1). “Alguns da seita dos fariseus, que haviam abraçado a fé, protestaram...” (At 15, 5).
        São Paulo combateu os judaizantes, judeus cristãos que queriam que se conservassem as práticas do judaísmo, especialmente a circuncisão, e, por isso, resistiu a Pedro (Gl 2, 11-14). Depois disso, “por causa dos judeus que se encontravam nessas regiões”, circuncidou Timóteo (At 16,3). As circunstâncias eram diferentes. São Gregório louva a discrição de São Paulo. E São João Crisóstomo, explicando o caso de São Paulo ter circuncidado Timóteo, atribui tantas conversões, que são descritas no versículo 5 desse mesmo capítulo, ao esforço de São Paulo pela concórdia (Cornélio a Lápide, ad rem). 
        Ouçamos o conselho do grande São Bento, em sua regra, sobre a maledicência e a crítica de mau espírito: “Há um zelo mau, de amargura, que separa de Deus e conduz ao inferno” (Cap. 72, v.1) “Há caminhos considerados retos pelos homens cujo fim mergulha até o fundo do inferno” (VII, 21). 

A CONSERVAÇÃO HOJE DA MISSA NA FORMA TRADICIONAL

          Levados pelo legítimo desejo de conservar a riqueza litúrgica do rito tradicional e chocados, com razão, em sua fé e piedade com os abusos, sacrilégios e profanações a que deu azo a reforma, os católicos da linha tradicional, não querendo ver a “liturgia transformada em show” nem querendo compartilhar com erros e profanações que viam, apegaram-se legitimamente às formas tradicionais da liturgia.
Por isso, merecem toda a nossa compreensão, nossos louvores e nosso apoio todos os que lutam pela preservação da Liturgia na sua forma tradicional.
Por isso também, tem todo o nosso aplauso o tão desejado Motu Próprio do Papa Bento XVI concedendo liberdade universal para a Missa no rito romano tradicional, o que será um benefício para toda a Igreja. O Cardeal George, Arcebispo de Chicago, afirma que a Missa de São Pio V é “uma fonte preciosa de compreensão litúrgica para todos os outros ritos... Esta liturgia pertence à Igreja inteira como um veículo do espírito que deve se irradiar também na celebração da terceira edição típica do missal romano atual...” (Cf. citação completa na nota 47, abaixo).
Por todos esses motivos, também em nossa Administração Apostólica, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé, conservamos o rito da Missa na sua forma tradicional, isto é, a antiga forma do Rito Romano, como o fazem igualmente muitas congregações religiosas, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo. Nós a amamos, preferimos e conservamos por ser, para nós, melhor expressão litúrgica dos dogmas eucarísticos e sólido alimento espiritual, pela sua riqueza, beleza, elevação, nobreza e solenidade das cerimônias, pelo seu senso de sacralidade e reverência, pelo seu sentido de mistério, por sua maior precisão e rigor nas rubricas, apresentando assim mais segurança e proteção contra abusos, não dando espaço a “ambigüidades, liberdades, criatividades, adaptações, reduções e instrumentalizações”, como lamenta o Papa João Paulo II. E a Santa Sé reconhece essa nossa adesão como perfeitamente legítima.
Assim, por ser uma das riquezas litúrgicas católicas, exprimimos através da Missa na sua forma tradicional o nosso amor pela Santa Igreja e nossa comunhão com ela.
Ademais, não arrefeceu e continua o nosso combate contra as heresias litúrgicas como a negação da presença real de Cristo na Eucaristia, a transformação da Missa numa simples ceia, a negação ou o encobrimento do caráter sacrifical e propiciatório da Santa Missa, a confusão entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis, a dessacralização da sagrada Liturgia, a falta de veneração, de adoração e de modéstia nos trajes no culto divino, a mundanização da Igreja, etc.
E a esses erros nós resistimos sempre, venham de onde vierem. A doutrina da resistência continua a mesma: "Se um anjo do Céu, ou nós mesmos, vos ensinar um Evangelho diferente daquele que vos pregamos, seja anátema" (São Paulo aos Gálatas 1,8). Esta nossa posição doutrinária foi e continua sendo a mesma que sempre sustentamos.

Falamos acima sobre os verdadeiros e sadios motivos que levaram e levam grande número de católicos ao legítimo amor e preferência pela riqueza litúrgica do rito tradicional e, portanto, à sua conservação.
Mas, há que se reconhecer e lamentar que, às vezes, em sua adesão e resistência, fizeram-se críticas ilegítimas à reforma litúrgica  e se foi além dos limites permitidos pela doutrina católica.
Muitas vezes, na ânsia de defender coisas corretas e sob pressão dos ataques dos opositores, mesmo com reta intenção podem-se cometer erros e exageros que, após um período de maior reflexão, devem ser retificados e corrigidos. São Pio X comentava que no calor da batalha é difícil medir a precisão e o alcance dos golpes. Daí acontecerem faltas ou excessos, compreensíveis, mas incorretos. Erros podem ser compreendidos e explicados, mas não justificados. Santo Tomás de Aquino nos ensina: “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção”.
Por essa razão, em carta ao Papa de 15/8/2001, os sacerdotes da antiga União Sacerdotal São João Maria Vianney, agora constituída pelo Papa em Administração Apostólica, escreveram: "E se, por acaso, no calor da batalha em defesa da verdade católica, cometemos algum erro ou causamos algum desgosto a Vossa Santidade, embora a nossa intenção tenha sido sempre a de servir à Santa Igreja, humildemente suplicamos o seu paternal perdão".
É preciso sempre ajustar a prática com os princípios que defendemos. Se reconhecemos as autoridades da Igreja é preciso respeitá-las como tais, sem jamais, ao atacar os erros, desprestigiá-las. Se houve algum erro ou exagero no passado quanto a isso, não há nada de mais em se corrigir o erro. Os princípios, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição aos erros condenados pela Igreja continuam os mesmos. O que é preciso é evitar as generalizações, ampliações e atribuições indevidas e injustas. A justiça e a caridade, mesmo no combate, são imprescindíveis. Se houve alguma falha também nesse ponto, corrigir-se não é nenhum desdouro. Afinal, errar é humano, perdoar é divino, corrigir-se é cristão e perseverar no erro é diabólico.
Assim, jamais se pode usar a adesão à Liturgia tradicional em espírito de contestação à autoridade da Igreja ou de rompimento de comunhão. Há que se conservar a adesão à tradição litúrgica sem pecar contra a sã doutrina do Magistério e sem jamais ofender a comunhão eclesial. Como escrevi na minha primeira mensagem pastoral de 5 de janeiro de 2003: “Conservemos a Tradição e a Liturgia tradicional, em união com a Hierarquia e o Magistério vivo da Igreja, e não em contraposição a eles”.
Esses limites, impostos pela teologia católica às reservas e críticas, nos impedem, por exemplo, de dizer que o Novus Ordo Missae, a Missa promulgada pelo Santo Padre Paulo VI, seja heterodoxa ou não católica. A sua promulgação  (forma, no sentido filosófico) é a garantia contra qualquer irregularidade doutrinal que pudesse ter havido na sua confecção (matéria), embora ela possa ser melhorada na sua expressão litúrgica. E é a sua promulgação oficial, e não o modo de sua confecção, que a torna um documento do Magistério da Igreja...   
Ademais isso não vem significar absolutamente que estejamos aprovando abusos e profanações que ocorrem até com certa frequência em Missas celebradas no novo rito. Estamos falando do rito em latim tal qual foi promulgado pelo Santo Padre Paulo VI e aprovado pelos seus sucessores. E uma eventual participação em missas do novo rito não significa aprovação de quaisquer abusos lamentados pelo Papa, que ali possam ocorrer...
Bem acertadamente escreveu um escritor católico da atualidade, Dr. Michael Davies, grande defensor da Missa tradicional e de grande renome nos meios tradicionalistas: “Alegações têm sido feitas dentro do movimento tradicionalista de que a Nova Missa não foi apropriadamente promulgada conforme as normas do Direito Canônico, de que ela não é a Missa oficial da Igreja Católica, de que assistindo a ela não se cumpre o preceito dominical, de que ela é ruim, má, ou mesmo intrinsecamente má. Visto  que o Papa Paulo VI era um verdadeiro papa, e que o Missal de 1970 constitui o que é conhecido como uma lei disciplinaria universal, tais alegações são completamente insustentáveis em vista da doutrina da indefectibilidade da Igreja. Nenhum papa verdadeiro poderia impor ou mesmo autorizar para o uso universal um rito litúrgico que fosse em si mesmo prejudicial aos fiéis. As alegações completamente insustentáveis a que me referi explicam uma atitude perturbadora que prevalece em certas secções do movimento tradicionalista nos quais atacar o Missal de 1970 (de Paulo VI) parece obter prioridade sobre a conservação do de 1570 (Missal de São Pio V). Não ha nenhuma esperança possível de um reconhecimento do Vaticano ser estendido a padres que sustentam essas hipóteses insustentáveis, fato que não parece perturba-los. Nem eles parecem se perturbar com o fato de que tais teorias não são endossadas por nenhum teólogo qualificado fora do movimento tradicionalista, ou que o consenso de opinião dentro do movimento as rejeita. Alguns desses padres não duvidam imaginar que alguém não pode ser um verdadeiro tradicionalista sem aceitar que a Nova Missa seja má. A documentação que segue (no seu livro) seria suficiente para provar que de fato aqueles que adotam esta posição é que não podem se considerar católicos tradicionais, pois defender que  um rito sacramental aprovado pelo Romano Pontífice é mau é totalmente incompatível com o ensinamento tradicional da Igreja”. 
                        (Trechos da Orientação Pastoral O Magistério Vivo da Igreja – Dom Fernando Arêas Rifan).

            EXPLICAÇÃO SOBRE AS AFIRMAÇÕES E ATITUDES NO PERÍODO DE EXCEÇÃO.

Naquela difícil situação na qual sofremos perseguições e injúrias, houve também da nossa parte comportamentos e afirmações dissonantes das normas e ensino da Igreja, das quais já nos penitenciamos e que corrigimos. Tais exageros e atitudes erradas com relação ao Magistério e à hierarquia da Igreja infelizmente serviram para aumentar a separação entre nós e a autoridade diocesana, provocando suas penas canônicas e destituições. Essas afirmações e atitudes, - estávamos em outras circunstâncias e em outro contexto diferente do atual -, devemos examina-las e retifica-las à luz do Magistério perene e vivo da Igreja, que é o critério de verdade, ortodoxia e comportamento para o católico. Se hoje, comparada com as anteriores, mudamos alguma atitude nossa, foi para nos adequarmos às orientações do Magistério. Alguns podem erroneamente pensar que o que foi feito, dito ou vivido num período de exceção e irregularidade seja o ideal e o normal para um católico. Não! O normal para todo católico é viver de acordo com o Magistério vivo da Igreja, unido e submisso à sua hierarquia. Não se pode apelar para aqueles antigos comportamentos ou afirmações dissonantes do Magistério, como argumento de terem sido adotados antes, como se tais atitudes ou afirmações fossem os únicos critérios de verdade, infalíveis e nunca passíveis de correção e melhor expressão. Quantos santos, mesmo doutores da Igreja, não erraram em doutrina e em comportamento! Por isso, nos ensina Santo Tomás de Aquino que “devemos nos apoiar, antes, na autoridade da Igreja do que na de Agostinho, de Jerônimo ou de qualquer outro doutor” (Summa Theologica, II-II, q. 10, a. 12). 
A maioria desses erros era cometida não pela falta de reta intenção, mas pela má direção nos ataques, porque hoje continuamos a combater esses erros, agora, porém, na direção correta. É preciso sempre ajustar a prática aos princípios que defendemos. Se reconhecemos as autoridades da Igreja, é necessário respeitá-las como tais, sem jamais, ao atacar os erros, desprestigiá-las. Os princípios, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição aos erros condenados pela Igreja continuam os mesmos. O que se deve evitar são as generalizações, ampliações e atribuições indevidas e injustas. Muitas vezes, na ânsia de defender coisas corretas e sob pressão dos ataques dos opositores, mesmo com reta intenção podem-se cometer erros e exageros que, após um período de maior reflexão, devem ser retificados e corrigidos. Erros podem ser compreendidos e explicados, mas não justificados.
          (Trecho do livro SEMENTES – Dom Fernando Arêas Rifan)

UM MANUSCRITO POLÊMICO

              Foi encontrado no Oriente, em escavações arqueológicas, um “manuscrito” em aramaico, dos fins do século I, atribuído a um grupo de cristãos reacionários, oriundos das seitas dos fariseus (críticos radicais) e dos saduceus (incrédulos). Por isso, esse documento, cuja autenticidade ainda está sendo estudada, foi classificado como CrisFarSad I, do qual citamos alguns trechos. O que é interessante é que o texto coincide com muitos fatos narrados nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos.
            “Em nossa comunidade tem acontecido alguns problemas e desuniões. Respeitamos os Apóstolos, os primeiros discípulos de Jesus, mas questionamos o tal ‘colégio apostólico’, pois, apesar de ter em seu seio muitos homens bons, é conivente com falhas, posições erradas e heterodoxas e com membros deletérios”.
            “O pior deles foi Judas Iscariotes, o avarento que traiu Jesus. Além dele, Pedro é pessoa desqualificada para o cargo, pois, negou conhecer Jesus na hora mais difícil, e, depois de ter sido escolhido como seu representante na terra, vacilou várias vezes, especialmente na questão das nossas tradições judaicas. Simão, o zelotes, ligado aos radicais anti-romanos, é bom. Tiago é o mais firme. Mas todos eles são culpados de cumplicidade e omissão, por terem sido covardes e consentido em seu meio, sem protestar, a presença do traidor. Foram covardes, talvez com medo de perder o cargo”.
            “Um problema crucial aconteceu no último Concílio, reunião dos Apóstolos em Jerusalém, do qual questionamos até a legitimidade, pois ali a divisão ficou patente entre os conservadores, representados por Tiago, e os avançados, cujos porta-vozes foram Paulo e Barnabé, favoráveis a uma abertura aos gentios. Estes dois últimos e sua ala acabaram vencendo, inclusive contrariando a prática de Jesus, que observou as tradições judaicas da circuncisão e do sábado. É por isso que, em nome da nossa tradição e de Jesus, nós resistimos às resoluções desse Concílio”.
            “Além disso, Paulo é reconhecidamente vacilante, um vai-e-vem, pois, depois de ter resistido a Pedro nesta questão e ter escrito aos nossos irmãos Gálatas que não seria necessário guardar tais ritos, ele mesmo circuncidou Timóteo, com medo dos judeus. É um conciliador, alguém que quer estar bem com os dois lados”.
            “Alguns de nós, estão questionando até a própria divindade de Jesus, pois não é possível que ele, sendo Deus, tenha escolhido Judas Iscariotes, que ele sabia, ou devia saber, ser um ambicioso e traidor, e o conservado até o fim, além de ter escolhido para Apóstolos esses homens fracos, e confiado a eles a sua Igreja”.
“E Jesus, ao invés de se mostrar forte e atacar os Romanos pagãos que nos oprimiam e oprimem, não disse nada contra eles, foi conivente com esse poder dominante a ponto de lhes pagar o imposto e dizer que devíamos o tributo a César, pagão e opressor do cristianismo. Afinal, o paganismo não é condenável?!” Como ser conivente com ele, sustentando-o pelo tributo?!
Até aqui o tal “manuscrito”.   
Na história da Igreja sempre apareceram esses “críticos radicais reformadores”, que trilham um triste caminho: começam a atacar a Igreja, olhando-a como uma instituição humana, querendo reformá-la, e terminam por perder a fé no seu Divino Fundador, que a assiste infalivelmente através do Espírito Santo e estará presente nela até a consumação dos séculos. 
            Mas, os inimigos, externos e internos, passam e, apesar das nossas fraquezas, “a Igreja, que reúne em seu seio os pecadores, é, ao mesmo tempo, santa e sempre necessitada de purificação”, e “continua o seu peregrinar entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus (Santo Agostinho)... No poder do Senhor ressuscitado encontra a força para vencer, na paciência e na caridade, as próprias aflições e dificuldades, internas e exteriores, e para revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo, até que no fim dos tempos ele se manifeste na plenitude de sua luz” (LG 8). 

CEM E TREZENTOS ANOS

          Hoje, dia 13 de maio, celebramos o 98o aniversário da primeira das aparições de Nossa Senhora a três simples crianças, pastores de ovelhas, em 1917, em Fátima, pequena cidade de Portugal, de onde a devoção se espalhou e chegou ao Brasil. Estamos, portanto, nos preparando para celebrar, em 2017, os cem anos dessa aparição de Nossa Senhora.
          O segredo da importância e da difusão de sua mensagem está exatamente na sua abrangência de praticamente todos os problemas da atualidade.
       Ali, Nossa Senhora nos alerta contra o perigo do comunismo e seu esquecimento dos bens espirituais e eternos, erro que, conforme sua predição, vai cada vez mais se espalhando na sociedade moderna: o ateísmo prático, o secularismo. “A Rússia vai espalhar os seus erros pelo mundo”, advertiu ela. A Rússia tinha acabado de adotar o comunismo, aplicação prática da doutrina marxista, ateia e materialista. Mas, se o comunismo, como sistema econômico, fracassou, suas ideias continuam vivas na sociedade atual. E o comunismo é incompatível com o catolicismo. Falando que foi batizado como católico, Raul Castro, recebido neste domingo pelo Papa Francisco, confessou porque abandonou a Igreja: “Sou comunista e não se podia ser membro do Partido Comunista e ser católico” (O Globo 11/6/2015). Ele reconhece o antagonismo. Foi lógico. Rezemos pela sua conversão, para que, deixando o comunismo, volte à Igreja, como ele insinuou após sua entrevista com o Papa.
          Em Fátima, Nossa Senhora pediu a oração, sobretudo a reza do Terço do Rosário todos os dias, e a penitência pela conversão dos pecadores e pela nossa santificação e perseverança. Explicou que o pecado, além de ofender muito a Deus, causa muitos males aos homens, sendo a guerra uma das consequências do pecado. Falou sobre o Inferno, sobre o Purgatório, sobre o Céu, sobre a crise que sofreria a Igreja, com perseguições e martírios. Enfim, Fátima é o resumo, a recapitulação e a recordação do Evangelho para os tempos modernos.
Mas, em 2017, celebraremos também os 300 anos do encontro milagroso da Imagem de Nossa Senhora Aparecida, pelos pescadores, no Rio Paraíba do Sul, milagre sucedido de muitos outros. É óbvio que ali houve algo sobrenatural. Pois, como explicar que uma simples imagem, quebrada, pudesse atrair milhões de pessoas em oração fervorosa, ininterruptamente, por três séculos, sem uma intervenção divina e uma bênção especial da Mãe de Jesus? Estamos, portanto, na preparação para a celebração deste grande evento. A Imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida visitará todas as dioceses do Brasil, e aqui também, a Diocese de Campos e a Administração Apostólica, onde estará em todas as Igrejas, como numa missão para afervorar o nosso povo e nos preparar para a celebração dos seus 300 anos.
Vamos assim unir as duas grandes devoções, a Nossa Senhora de Fátima e a Nossa Senhora Aparecida, pois são a mesma e única Senhora escolhida entre todas as mulheres para ser a mãe do Redentor e nossa Mãe espiritual.

O BEBÊ E A ÁGUA DO BANHO

          Tem havido ultimamente insultos à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que me atingem também, pois dela faço parte por ser Bispo católico, pela graça de Deus, em plena comunhão com a Santa Igreja. A CNBB é o conjunto dos Bispos do Brasil que, exercem conjuntamente certas funções pastorais em favor dos fiéis do seu território (CIC cân. 447).  Conforme explicou São João Paulo II na Carta Apostólica Apostolos suos, é “muito conveniente que, em todo o mundo, os Bispos da mesma nação ou região se reúnam periodicamente em assembleia, para que, da comunicação de pareceres e experiências, e da troca de opiniões, resulte uma santa colaboração de esforços para bem comum das Igrejas”. “O Espírito Santo vos constituiu Bispos para pastorear a Igreja de Deus, que ele adquiriu com o seu próprio sangue” (At 20, 28).       
            Quero deixar bem claro que, por ser Bispo da Santa Igreja Católica, dou minha adesão a tudo o que ensina o seu Magistério, nas suas diferentes formas e na proporção da exigência de suas expressões doutrinárias, sem restrições mentais ou subterfúgios.
Em matéria de política ou questões sociais, minha posição é a da Doutrina Social da Igreja. Por isso, defendo a subordinação da ordem social à ordem moral estabelecida por Deus, a dignidade da pessoa humana, a busca do bem comum, a atenção especial aos pobres, a rejeição do socialismo e do marxismo, nas suas diferentes formas, o direito de propriedade, o princípio da subsidiariedade e os legítimos direitos humanos, principalmente a defesa da vida desde a concepção até o seu término natural.
Ademais, ainda na questão agrária, compartilho com a posição de São João Paulo II quando ensinou: “É necessário recordar a doutrina tradicional de que a posse da terra ‘é ilegítima quando não é valorizada ou quando serve para impedir o trabalho dos outros, visando somente obter um ganho que não provém da expansão global do trabalho humano e da riqueza social, mas antes de sua repressão, da exploração ilícita, da especulação e da ruptura da solidariedade no mundo do trabalho’ (Centesimus Annus 43). Mas recordo, igualmente, as palavras do meu predecessor Leão XIII quando ensina que ‘nem a justiça, nem o bem comum consentem danificar alguém ou invadir a sua propriedade sob nenhum pretexto’ (Rerum Novarum, 30). A Igreja não pode estimular, inspirar ou apoiar as iniciativas ou movimentos de ocupação de terras, quer por invasões pelo uso da força, quer pela penetração sorrateira das propriedades agrícolas” (Discurso aos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, na sua visita ad limina, 21março de 1995).
            Assim, quem quer que defenda partidos ou grupos que pregam a revolução social, a luta de classes, o igualitarismo total, a negação do direito de propriedade e a ideologia de gênero, não me representa nem pode falar em meu nome nem em nome da Igreja.
Ademais, conforme ensina a Igreja, como Bispo, quero ter sempre uma “prudente solicitude pelo bem comum” (Laborem exercens, 20), “não estou ligado a qualquer sistema político determinado” (Gaudium et Spes, 76), não me intrometo no trabalho político, “por este não ser competência imediata da Igreja”, “nem me identifico com os interesses de partido algum”, ensinando, porém, os grandes critérios e os valores irrevogáveis, orientando as consciências e oferecendo uma opção de vida que vai além do âmbito político” (Bento XVI, Aparecida, 13-5-2007, Disc. Inaug. do CELAM).
Defendo a mesma posição do Catecismo da Igreja Católica quando diz: “Não cabe aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na organização da vida social. Essa tarefa faz parte da vocação dos fiéis leigos, que agem por própria iniciativa com seus concidadãos” (n. 2442).
Compartilho também com a posição do Papa Bento XVI, hoje emérito, quando ensinou que “a Igreja não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende de modo algum imiscuir-se na política dos Estados, mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo...” (Caritas in Veritate, 9).
É claro que, na crise atual, há quem não siga nessa matéria o critério do Magistério da Igreja. Mas são vozes fora do caminho, mesmo que muitas. Não se pode apoiá-las.
            Se há pessoas na Igreja que não seguem seus ensinamentos, temos a obrigação de não segui-las e, se tivermos ciência e competência para tal, de respeitosamente manifestar isso aos Pastores da Igreja (CIC cânon 212, §3), ressalvando a reverência que lhes é devida.  
            É nesse último ponto que pecam gravemente alguns que se intitulam católicos. Na ânsia de defender coisas corretas, perdem o respeito devido às autoridades da Igreja e as desprestigiam, para alegria dos inimigos dela.
Junto com o combate ao erro, até querendo fazer o bem, acabam destruindo a autoridade, com ofensas, exageros, meias verdades e até mentiras, caindo assim em outro erro. A meia verdade pode ser pior do que a mentira deslavada.
Não quero dizer que não existam os erros que combatem. O que é preciso é evitar as generalizações, ampliações e atribuições indevidas e injustas, onde acontecem faltas ou excessos. A justiça e a caridade, mesmo no combate, são imprescindíveis. Qualquer pessoa não católica que lesse certos sites e postagens de alguns católicos críticos, injuriando os Bispos e autoridades da Igreja, certamente iria raciocinar: “é impossível que tais pessoas sejam católicas, pois não se fala assim da própria família!”.

Como diz o provérbio: “Não se pode jogar fora o bebê, junto com a água suja do banho!”.