NÃO AO SABOR DO VENTO

          “Que fostes ver no deserto? Uma cana agitada pelo vento?... Em verdade, eu vos digo, entre todos os nascidos de mulher não surgiu quem fosse maior que João Batista” (Mt 11, 7.11).
Já comemoramos o nascimento de São João Batista no dia 24 de junho. E no último dia 29, celebramos o seu martírio, sua degolação.
Qual foi a causa da sua morte? São João Batista pregava o arrependimento do pecado e a mudança de vida: “Convertei-vos...” (Mt 3,1). Era o homem da verdade, sem acepção de pessoas. O Rei Herodes havia tomado para si a mulher do seu irmão, Herodíades. João o admoestava contra o seu pecado de infidelidade conjugal e incesto, o que atraiu a ira da amante do rei, que o instigou a meter João no cárcere. “Pois João vivia dizendo a Herodes: ‘Não te é permitido viver com ela’” (Mt 14, 4). No dia do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades, Salomé, dançou na frente dos convivas, o que levou o rei, meio embriagado, a prometer-lhe como prêmio qualquer coisa que pedisse. A filha perguntou à mãe, que não perdeu a oportunidade de vingar-se daquele que invectivava seu pecado. Fez a filha pedir ao rei a cabeça de João Batista. João foi decapitado na prisão, merecendo o elogio de Jesus, por ser um homem firme e não uma cana agitada ao sabor do vento.
Estamos no Ano da Misericórdia, proclamado pelo Papa Francisco.  É tempo de perdão. Muita gente pode interpretar mal esse tempo, achando que pode continuar no pecado e receber o perdão. Mas a absolvição supõe o arrependimento e o propósito de deixar o pecado, sem o que o perdão não acontece. O discernimento pastoral prático de uma situação particular, no qual devemos usar toda a misericórdia e compreensão, não anula a regra geral dada por Nosso Senhor: “Quem despede sua mulher e se casa com outra, comete adultério... E se a mulher despede seu marido e se casa com outro, comete adultério também” (Mc 10, 11-12).
“Deus em Jesus é um Deus que tem um sumo respeito pela liberdade da pessoa. ‘Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa’ (Ap 2, 20ª). Não arromba a porta, para entrar de qualquer maneira. A ‘abertura da porta’, de que fala a Escritura, é a conversão ou arrependimento. Conversão, arrependimento e misericórdia que perdoa são como o côncavo e o convexo da mesma figura: uma não se dá sem a outra (Cardeal Carlo Carafa, Arcebispo de Bolonha).
O Cardeal Jorge Medina, prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino, no seu livreto “Arrependimento, Porta da Misericórdia”, com apresentação do Cardeal Carafa, acima citado, explica: “O Concílio de Trento define o arrependimento como ‘dor da alma e reprovação do pecado cometido, acompanhados pelo propósito de não pecar mais no futuro’. Este ato de contrição foi sempre necessário para pedir a remissão dos pecados...” E ele continua: “Vivemos em uma sociedade na qual pouco a pouco se está perdendo a sensibilidade em relação ao pecado...”. Esclarece, enfim, que “arrepender-se significa recorrer a Deus, Pai de misericórdia”. 

MÃE QUE CHORAVA

         Dois santos admiráveis celebramos nessa semana: Santa Mônica (dia 27) e Santo Agostinho (dia 28), do século IV.
Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste, na Região de Cartago, na África, filho de Patrício, pagão, e Mônica, cristã fervorosa. Segundo narra ele próprio, Agostinho bebeu o amor de Jesus com o leite de sua mãe. Infelizmente, porém, como acontece muitas vezes, a influência do pai fez com que se retardasse o seu batismo, que ele acabou não recebendo na infância nem na juventude. Estudou literatura, filosofia, gramática e retórica, das quais foi professor. Afastou-se dos ensinamentos da mãe e, por causa de más companhias, entregou-se aos vícios. Cometeu maldades, viveu no pecado durante sua juventude, teve uma amante e um filho, e, pior, caiu na heresia gnóstica dos maniqueus, para os quais trabalhou na tradução de livros.
Sua mãe, Santa Mônica, rezava e chorava por ele todos os dias. “Fica tranquila”, disse-lhe certa vez um bispo, “é impossível que pereça um filho de tantas lágrimas!” E foi sua oração e suas lágrimas que conseguiram a volta para Deus desse filho querido transviado.
Agostinho dizia-se um apaixonado pela verdade, que, de tanto buscar, acabou reencontrando na Igreja Católica: “ó beleza, sempre antiga e sempre nova, quão tarde eu te amei!”; “fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansa em Vós!”: são frases comoventes escritas por ele nas suas célebres “Confissões”, onde relata a sua vida de pecador arrependido. Transferiu-se com sua mãe para Milão, na Itália. Dotado de inteligência admirável, a retórica, da qual era professor, o fez se aproximar de Santo Ambrósio, Bispo de Milão, também mestre nessa disciplina. Levado pela mãe a ouvir os célebres sermões do santo bispo e nutrido com a leitura da Sagrada Escritura e da vida dos santos, Agostinho converteu-se realmente, recebeu o Batismo aos 33 anos e dedicou-se a uma vida de estudos e oração. Ordenado sacerdote e bispo, além de pastor dedicado e zeloso, foi intelectual brilhantíssimo, dos maiores gênios já produzidos em dois mil anos da História da Igreja. Escreveu numerosas obras de filosofia, teologia e espiritualidade, que ainda exercem enorme influência. Foi, por isso, proclamado Doutor da Igreja. De Santo Agostinho, disse o Papa Leão XIII: “É um gênio vigoroso que, dominando todas as ciências humanas e divinas, combateu todos os erros de seu tempo”. Sua vida demonstra o poder da graça de Deus que vence o pecado e sempre, como Pai, espera a volta do filho pródigo. 
Sua mãe, Santa Mônica, é o exemplo da mulher forte, de oração poderosa, que rezou a vida toda pela conversão do seu filho, o que conseguiu de maneira admirável. Exemplo para todas as mães que, mesmo tendo ensinado o bom caminho aos seus filhos, os vêm desviados nas sendas do mal. A oração e as lágrimas de uma mãe são eficazes diante de Deus. E a vida de Santo Agostinho é uma lição para nunca desesperarmos da conversão de ninguém, por mais pecador que seja, e para sempre estarmos sinceramente à procura da verdade e do bem.  

BELÉM, A CASA DO PÃO

           Estamos em Belém do Pará, onde acontece, de 15 a 21 deste mês de agosto, o XVII Congresso Eucarístico Nacional, cujo tema é “Eucaristia e partilha na Amazônia missionária”, com o lema “Eles o reconheceram no partir do Pão” (Cf. Lc 24, 35), tirado da passagem do encontro dos discípulos de Emaús com Jesus ressuscitado. É todo o Brasil de joelhos adorando o Senhor na Eucaristia e ouvindo o seu apelo missionário na Amazônia: “Ide fazer discípulos entre todas as nações” (Mt 28, 19).
            O Congresso Eucarístico, que congrega milhares de pessoas em torno do altar, testemunhando sua fé cristã, tem como finalidade aumentar o nosso fervor e devoção à Santíssima Eucaristia, porque “a Eucaristia é o coração e o ápice da vida da Igreja, pois nela Cristo associa sua Igreja e todos os seus membros a seu sacrifício de louvor e ação de graças oferecido uma vez por todas na cruz a seu Pai; por seu sacrifício ele derrama as graças da salvação sobre o seu corpo, que é a Igreja. A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo: isto é, da obra da salvação realizada pela Vida, Morte e Ressurreição de Cristo, obra esta tornada presente pela ação litúrgica. Enquanto sacrifício, a Eucaristia é também oferecida em reparação dos pecados dos vivos e dos defuntos, e para obter de Deus benefícios espirituais ou temporais” (Cat.Igr. Cat. nn.1407, 1409 e 1414).
            Consta que o primeiro Congresso Eucarístico foi celebrado em 1881 em Lille (França), por iniciativa de um grupo de fiéis leigos, apoiados por S. Pedro Julião Eymard. Foi uma celebração solene, de que participaram fiéis e bispos de vários países da Europa. De lá para cá, outros países quiseram repetir a bela iniciativa. No Brasil, até agora, já houve 16 Congressos Eucarísticos Nacionais. O Papa São João Paulo II esteve presente em dois: em Fortaleza - CE (1980) e em Natal - RN (1991). Nos outros ele foi representado por um Enviado Especial.
            Segundo São João Paulo II, o Congresso Eucarístico é “um grande evento eclesial que deve envolver cada Igreja particular, cada paróquia, cada comunidade religiosa e cada movimento eclesial. Todos devem sentir-se chamados a tomar parte no Congresso mediante uma catequese mais intensa sobre a Eucaristia e uma participação mais consciente e ativa na Liturgia Eucarística e um sentido de adoração capaz de interiorizar a celebração do Mistério Pascal, com uma oração que transforma a vida toda numa oferta pela vida do mundo, segundo o exemplo de Cristo”.
            Conforme nos explica Dom Alberto Taveira, arcebispo de Belém, “o XVII Congresso Eucarístico Nacional se realizará no Quarto Centenário do início da Evangelização da Amazônia e da fundação da Cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará... é convocação a todo o Brasil, reunido e peregrino, para viver e testemunhar a vocação que é nossa e de toda a Igreja... para que se realize mais uma vez, aqui em Belém, Portal da Amazônia, o que acontece na Igreja desse seus albores: “Eles o reconheceram no partir do Pão”, o lema que escolhemos”. 

AS OLIMPÍADAS

         Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro são uma ocasião para nossa reflexão sobre os valores cristãos de disciplina, fraternidade, paz e reconciliação do mundo, através dos esportes.
          São Paulo Apóstolo escrevendo aos Coríntios, familiarizados com os jogos olímpicos, partilhou a admiração desses povos helenos pelas proezas dos atletas nos estádios, tirando do seu exemplo lições para a nossa vida espiritual (cf. 1 Cor 9, 24-25).
A religião não é alheia ao esporte e a Igreja sempre apoiou o desporto sadio. A finalidade do verdadeiro esporte é tornar o corpo são e dócil para que paralelamente a alma possa se robustecer e enobrecer. Na alta Idade Média, a verdadeira e não a falsa que muitas vezes historiadores superficiais tentam nos impingir, houve uma florescência ideal do verdadeiro desporto cristão. O Barão Pedro de Coubertin, renovador dos Jogos Olímpicos da atualidade, cuja iniciativa foi encorajada pelo Papa São Pio X, assim escreve: “A Idade Média conheceu um espírito desportivo de intensidade e vigor provavelmente superiores aos que conheceu a própria antiguidade grega”. Ele atribui isso à influência primordial da religião que criou uma atmosfera das mais favoráveis à eclosão e desenvolvimento do espírito cavalheiresco que consiste na “lealdade praticada sem hesitação” (Pierre de Coubertin, La Pédagogie Sportive). O cristianismo tem, pois, grande influência no jogo limpo, no “fair-play”.
“As Olimpíadas são o maior acontecimento esportivo mundial, nas quais participam atletas de muitas nações, revestindo-se assim de um alto valor simbólico. É por isso que a Igreja católica as olha com uma simpatia e atenção particulares”. Ele convidou os católicos a rezar para que “segundo a vontade de Deus, os Jogos de Londres sejam uma verdadeira experiência de fraternidade entre os povos da Terra”. “Eu dirijo minhas saudações aos organizadores, aos atletas e aos expectadores, e eu rezo para que, no espírito da trégua olímpica, a boa vontade gerada por este acontecimento esportivo internacional traga frutos, promovendo a paz e a reconciliação no mundo” (Bento XVI, no Ângelus de 22/7/2012, falando sobre os Jogos Olímpicos de Londres).
         “As potencialidades do fenômeno desportivo tornam-no instrumento significativo para o desenvolvimento global da pessoa e fator muito útil para a construção de uma sociedade mais humana. O sentido de fraternidade, a magnanimidade, a honestidade e o respeito pelo corpo — sem dúvida virtudes indispensáveis para todos os bons atletas — contribuem para a edificação de uma sociedade civil na qual o ‘agonismo’ substitua o antagonismo, o encontro prevaleça sobre a competição e o confronto leal sobre a contraposição vingativa. Entendido desta maneira, o desporto não é um fim, mas um meio; pode tornar-se veículo de civilização e distração genuína, estimulando a pessoa a pôr em campo o melhor de si e a evitar o que pode ser perigoso ou de grave prejuízo para si mesmo e para os outros” (Bento XVI, por ocasião do campeonato europeu de futebol, citando São João Paulo II). 

O CURA D'ARS

           O mês de agosto é o mês dos sacerdotes e das vocações, porque nele se celebra o patrono de todos os padres, São João Maria Vianney, o Cura ou Pároco da cidadezinha francesa de Ars, “modelo sem par, para todos os países, do desempenho do ministério e da santidade do ministro”, no dizer de São João Paulo II, paradigma para a nova evangelização. 
Nascido de uma família de camponeses católicos e muito caridosos, João Maria tinha sete anos quando o Terror da Revolução Francesa reinava em Paris e os padres eram exilados ou mortos. Recebeu a primeira comunhão aos treze anos, durante o segundo Terror, quando a igreja de sua cidade foi fechada e as tropas revolucionárias atravessavam a paróquia. O governo revolucionário estabeleceu a constituição civil do clero e só os padres que faziam esse juramento cismático eram conservados nos cargos. Os outros padres, fiéis à Igreja e que não aceitavam aquele cisma, eram perseguidos, mas atendiam secretamente os fiéis nos paióis das fazendas. Foi a visão desses heróis da fé que fez surgir no jovem Vianney a sua vocação sacerdotal. Candidato, pois, ao heroísmo e à cruz no ministério.
Enfrentou dificuldades no Seminário, donde chegou a ser despedido por incapacidade nos estudos, teve problemas com o serviço militar, conseguiu, porém, aos vinte e nove anos, ser ordenado sacerdote, mas sem permissão para ouvir confissões. Após três anos, foi enviado a uma pequeníssima paróquia, Ars, onde permaneceu durante 42 anos, até o fim da sua vida.
“Há pouco amor de Deus nessa paróquia”, disse-lhe o Vigário Geral ao nomeá-lo, “Vossa Reverendíssima procurará colocá-lo lá”. De fato, Ars, nesse período pós Revolução Francesa, estava esquecida de Deus: pouca frequência às Missas, trabalho contínuo nos domingos, bailes, blasfêmias, etc. O Pe. Vianney começou com penitências e orações próprias. Pregação e catequese contínuas, visitas às famílias e caridade para com os pobres. A Igreja foi se enchendo. Ouvia confissões desde a madrugada até a noite. Peregrinos de toda a França acorriam a Ars, chegando a cem mil por ano. Suas pregações eram assistidas por bispos e cardeais. Seu catecismo era ouvido por grandes pregadores que ali vinham aprender com tanta sabedoria. Morreu aos 74 anos, esgotado pelas penitências e trabalhos apostólicos no ministério sacerdotal. Dizia esse herói da Fé: “É belo morrer depois de ter vivido na cruz”.
Por que razão a Igreja escolheu este santo tão simples para patrono dos padres? Porque sua vida demonstra a nulidade humana e a grandeza do poder de Deus. Para que aprendamos que não são nossos dotes e qualidades humanas que salvam as almas: Deus é que é o protagonista de toda ação pastoral. Por isso também o escolhemos para patrono de nossa União Sacerdotal, transformada pela Santa Sé em Administração Apostólica.
           Que todos os fiéis, os grandes interessados, rezem pelos nossos sacerdotes e seminaristas, para que eles imitem a humildade, pobreza, retidão, zelo e fidelidade desse grande herói do ministério sacerdotal, que tanto honrou o sacerdócio paroquial e a Igreja de Cristo.