LIBERDADE E PROGRESSO

       Acabo de participar, a convite, de 24 a 27 de janeiro, em Sintra, Portugal, do Congresso internacional anual para Bispos, com a presença de cerca de 140 Cardeais e Bispos de 41 países, promovido pelo Acton Institute, instituição universitária voltada para estudos de economia e sociologia à luz da Doutrina social da Igreja. O congresso deste ano teve como tema principal “Catolicismo, Liberdade e Desafios do Desenvolvimento Humano Integral”. 
            Além dos estudos importantíssimos, o contato e o convívio com Cardeais e Bispos de diversos países nos enriquecem em conhecimento e amizade, nessa grande família que é a Igreja. E, conhecendo os problemas diversificados em todas as partes do mundo, somos impelidos a um maior zelo, comunhão e oração. E, como todos os anos, estando em Portugal, nós, os Bispos deste congresso, fizemos, no dia 24 de janeiro, uma peregrinação especial ao Santuário de Fátima., onde nos consagramos ao seu Imaculado Coração.
            No Congresso, além do tema principal, ventilaram-se também as questões: 1) Liberdade Religiosa em Tempos de Perseguição; 2) População, Desenvolvimento Econômico e Pobreza; 3) Imigração e a Doutrina Social da Igreja; 4) A Igreja, a Nação e a Ordem Global.
             Sobre o tema, o Magistério da Igreja nos ensina: “A liberdade, na sua essência, é algo intrínseco ao homem, conatural à pessoa humana, sinal distintivo da sua natureza. A liberdade da pessoa, de fato, tem o seu fundamento na sua dignidade transcendente: uma dignidade que lhe foi doada por Deus, seu Criador, e que a orienta para o mesmo Deus. O homem, porque foi criado à imagem de Deus, é inseparável da liberdade, daquela liberdade que nenhuma força ou constrangimento exterior jamais poderá tirar-lhe e que constitui seu direito fundamental, quer como indivíduo quer como membro da sociedade. O homem é livre porque possui a faculdade de se determinar em função da verdade e do bem” (S. João Paulo II, mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1981).
       
    “A pergunta moral, à qual Cristo responde, não pode prescindir da questão da liberdade, pelo contrário, coloca-a no centro dela, porque não há moral sem liberdade: ‘Só na liberdade é que o homem se pode converter ao bem’ (GS, n. 17). Mas qual liberdade? Perante os nossos contemporâneos que ‘apreciam grandemente’ a liberdade e que a ‘procuram com ardor’, mas que ‘muitas vezes a fomentam de um modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade’, o Concílio apresenta a ‘verdadeira’ liberdade: ‘A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis ‘deixar o homem entregue à sua decisão’ (cf. Sr 15,14), para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à perfeição total e beatífica, aderindo a Ele’ (GS n. 17). Se existe o direito de ser respeitado no próprio caminho em busca da verdade, há ainda antes a obrigação moral, grave para cada um, de procurar a verdade e de aderir a ela, uma vez conhecida (Cf. Dignitatis Humanae, n. 2)” (Veritatis Splendor, n. 34).

DE PERSEGUIDOR A APÓSTOLO

       Celebraremos amanhã a conversão do grande apóstolo São Paulo, uma das colunas da Igreja ao lado de São Pedro. São Paulo foi o apóstolo dos gentios, dos povos não judeus, instrumento da propagação da Igreja fora da Judéia; o verdadeiro propagador do cristianismo.
          O primeiro livro de História da Igreja, os Atos dos Apóstolos, escrito por São Lucas, discípulo de São Paulo e testemunha dos fatos, narra-nos que Saulo - esse era o seu nome antes - era um fariseu fanático, cheio de ódio pelos discípulos de Cristo. Ele, quando jovem, já havia participado, como coadjuvante, do apedrejamento de Santo Estevão, diácono. Quando ia pelo caminho de Damasco, capital da Síria, com ordens dos Sumos Sacerdotes, para prender os cristãos da cidade, foi violentamente derrubado do cavalo por uma luz misteriosa, que o cegou, da qual saia uma voz tonitruante que o invectivava: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” E ao perguntar quem era aquele a quem ele perseguia, a voz respondeu: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues”. Jesus atribuía a si a perseguição feita aos seus discípulos, os cristãos.
         A partir daí, Saulo foi instruído na Fé cristã e batizado. Tornou-se o grande Apóstolo Paulo, escolhido por Deus para evangelizar os gentios, os povos não judaicos. É o autor de 14 epístolas endereçadas às primeiras comunidades cristãs, mas de valor e ensinamento perenes.
      Foi martirizado em Roma, na perseguição de Nero. Sua grande basílica é a homenagem cristã àquele que, com São Pedro, é uma das colunas da Igreja Romana.
Jesus tinha escolhido 12 apóstolos para evangelizarem o mundo. Mas eles eram pessoas simples. Deus tudo pode, mas usa dos meios humanos mais apropriados, conforme ele quer e capacita. Para espalhar sua doutrina no mundo greco-romano pagão, ele quis escolher alguém, perito em diversas línguas, douto na doutrina judaica, cidadão romano, conhecedor do mundo grego e homem de decisão e forte personalidade. E o escolheu entre os seus piores inimigos: os fariseus. E esse fariseu fanático tornou-se, pela graça de Deus, o grande São Paulo. 
         A admirável conversão de São Paulo é a mostra do que pode a Graça de Deus. E essa Graça tem operado maravilhosas conversões no decurso dos séculos. Temos, entre tantos, os exemplos de Agostinho, gênio intelectual que, de gnóstico e herege, tornou-se o grande Santo Agostinho, doutor da Igreja, convertido pela força das lágrimas de sua mãe e pela convincente pregação de Santo Ambrósio; de Francisco de Assis que, de mundano tornou-se o grande santo da pobreza; de Santo Inácio de Loyola, convertido ao ler a vida dos santos, num leito de hospital; de Dr. Aléxis Carrel, prêmio Nobel de medicina, ao examinar um milagre de Lourdes.
       Conversão é a saída do pecado para a Graça de Deus. É mudança de mentalidade e de vida. Para melhor. É por isso que todos nós precisamos nos converter. Todos os dias.
      “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento” (Francisco, Evangelii gaudium, 1).

SÃO SEBASTIÃO

          No próximo dia 20, celebraremos a solenidade do glorioso mártir São Sebastião, padroeiro da Cidade maravilhosa e do nosso Estado do Rio de Janeiro.
          Segundo nos explica Dom Orani João Tempesta, Cardeal Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, ele nasceu em Narbona, uma cidade ao Sul da França, no século III. Era filho de uma família ilustre. Ficou órfão do pai ainda menino, e então, foi levado para Milão por sua mãe, onde passou os primeiros anos da infância e juventude.
          A mãe educou-o com esmero e muito zelo. Ele ingressou no exército imperial, e, por sua cultura e grande capacidade atingiu os mais altos graus da hierarquia militar, chegando a ocupar o posto de Comandante do Primeiro Tribunal da Guarda Pretoriana durante o reinado de Diocleciano, um dos mais severos imperadores romanos, perseguidor dos cristãos.
          Foi denunciado ao Imperador como sendo cristão. Mesmo sendo um bom soldado romano, suas atitudes demonstravam sua fé cristã, e, diante de todos, confessou bravamente sua convicção. Foi acusado, então, de traição. Na época, o imperador tinha abolido os direitos civis dos cristãos. Por não aceitar renunciar a Cristo, São Sebastião foi condenado à morte, sendo amarrado a um tronco de árvore e flechado. Porém, não morreu ali. Foi encontrado vivo por uma mulher cristã piedosa que tinha vindo buscar o seu corpo. Diante do ocorrido, recuperada a saúde, apresentou-se diante do Imperador e reafirmou sua convicção cristã. E nova sentença de morte veio sobre ele: foi condenado ao martírio no Circo. Sebastião foi executado, então, com pauladas e boladas de chumbo, sendo açoitado até a morte e jogado nos esgotos perto do Arco de Constantino. Era 20 de janeiro.
          Seu corpo foi resgatado e levado para as catacumbas romanas com grande honra e piedade. Sua fama se espalhou rapidamente. Suas relíquias repousam sobre a Basílica de São Sebastião, na via Apia, em Roma. O Papa Caio escolheu-o como defensor da Igreja e da fé.
          Nesses tempos de grande negação da fé e de valores espirituais e religiosos, humanos e sociais, São Sebastião torna-se um grande modelo de ajuda para nós hoje, principalmente aos jovens, envoltos em grande confusão moral e espiritual. Ele é um sinal de fidelidade a Cristo mesmo com as pressões contrárias. Dessa forma, ele continua anunciando Jesus Cristo, por quem viveu, até os dias de hoje. Ele nos ensina a não desanimarmos com as flechadas que recebemos e a continuarmos firmes na fé.
          Um mártir não deve ser um estranho para nós. Ainda em pleno século XXI encontramos irmãos e irmãs nossas que são mortos em tantos países, outros têm ainda seus direitos civis cassados por serem cristãos, outros são condenados à prisão ou à morte por aderirem ao Cristianismo, e ainda são expulsos de suas cidades e suas igrejas queimadas. Além disso, muitos são martirizados em sua fama, em sua honra e tantas outras maneiras modernas de “matar” pessoas por causa da fé ou de suas convicções cristãs.

UM SANTO CAMPISTA

           A grande devoção em nossa região a Santo Amaro, cuja festa celebraremos no próximo dia 15, é explicada pela presença dos monges beneditinos que foram os valorosos missionários da zona rural de Campos dos Goytacazes, em cujo município se situa o célebre Mosteiro de São Bento, em Mussurepe. Vale a pena recordar um pouco a sua vida, por muitos desconhecida.
          Santo Amaro, ou São Mauro, foi monge e abade beneditino, ou seja, da Ordem de São Bento. Nascido em Roma, de família senatorial, Amaro, quando tinha apenas doze anos, foi entregue no mosteiro por seu pai, Egrico, homem ilustre pela virtude e pela nobreza do nascimento, confiando-o aos cuidados de São Bento, em 522.
          Correspondeu tão bem à afeição e à solicitude do mestre, que foi em breve proposto como modelo aos outros religiosos. São Gregório exaltou-o por se ter distinguido no amor da oração e do silêncio. Sempre se lhe notou profunda humildade e admirável simplicidade de coração. Mas nele sobressaia a virtude da obediência, sendo por isso recompensado por Deus, com o milagre semelhante ao de São Pedro no lago de Tiberíades, caminhando sobre as águas. Foi o caso de um jovem chamado Plácido, que caiu num lago perto de Subiaco, onde ficava o mosteiro. São Bento soube-o por revelação e, chamando Amaro, disse-lhe: “Irmão Amaro, vai depressa procurar Plácido, que está prestes a se afogar”. Munido com a bênção do mestre, o discípulo correu sobre a água a socorrer Plácido, a quem agarrou pelos cabelos e trouxe para a margem, não se apercebendo Amaro ter saído da terra firme. Quando deu pelo milagre, atribuiu-o aos méritos de São Bento. Mas este o atribuiu à obediência do discípulo.
         “O homem obediente contará vitórias” (Pr 21,28). A obediência é a virtude cristã pela qual a pessoa sujeita sua própria vontade à de seu superior, no qual vê um representante de Deus. O maior exemplo de obediência temos em Jesus Cristo, obediente até a morte de Cruz (Fl 2, 8), reparando assim a desobediência de Adão (Rm 5, 19-20). Assim, o conselho evangélico da obediência, professado na vida consagrada, assumido livremente com espírito de fé e amor no seguimento de Cristo obediente até a morte, leva o consagrado à submissão da vontade aos legítimos superiores, que fazem as vezes de Deus quando ordenam de acordo com as próprias constituições (cf. CDC cân. 601).
           Santo Amaro foi fiel ao seu ideal monástico, a ponto de todos o considerarem o perfeito herdeiro espiritual de São Bento. Segundo uma tradição, foi Santo Amaro que substituiu São Bento quando este se transferiu para Monte Cassino. Consta também que Santo Amaro se distinguiu particularmente por sua aplicação aos estudos. Sendo enviado à França, lá fundou o Mosteiro de Glanfeuil, em Anjou, vindo a falecer em 15 de janeiro de 584.
             Possa o exemplo de Santo Amaro levar os filhos a serem mais obedientes aos seus pais, os alunos aos seus mestres, os cidadãos às leis e superiores civis, os católicos aos seus superiores hierárquicos. “Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5, 21).




A PAZ NO ORIENTE

         Celebramos nesta semana a Epifania (manifestação) do Senhor. Foi o dia em que Jesus se manifestou como Salvador de todos os povos, na pessoa dos Reis do Oriente, que vieram visitar o Menino Jesus em Belém, exemplo de perseverança na vocação, ao chamado de Deus, nas dificuldades e tentações da vida. “Aquela estrela era a graça”, diz Santo Agostinho.
          Deus usa de vários meios para chamar a si as pessoas, meios adaptados à personalidade e às condições de cada um. Aos pastores, judeus, já familiarizados com as revelações divinas do Antigo Testamento, Deus chamou através dos anjos, mensageiros da boa nova do nascimento de Jesus. Os Magos, porém, eram pagãos. Como eram astrônomos e astrólogos, Deus os chamou através de uma estrela misteriosa. Jesus não discrimina ninguém: no seu presépio vemos pobres e ricos, judeus e árabes. Todos são bem-vindos ao berço do pacífico Menino Deus.
          Jesus veio ao mundo trazer a paz, a sua paz, a verdadeira: “Dou-vos a minha paz. Não é à maneira do mundo que eu a dou” (Jo 14, 27).  “Príncipe da Paz” é o título que lhe dava o profeta Isaías: “seu nome será... Príncipe da Paz” (Is 9,5). Esse foi o cântico dos anjos na noite de Natal: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e, na terra, paz aos que são do seu agrado!” (Lc 2, 14). Essa foi a sua saudação ao ressuscitar: “A paz esteja convosco” (Jo 20, 19 ss).
           Já em sua mensagem de Natal “Urbi et Orbi” do Natal de 2016, o Papa Francisco falava da paz no mundo e pedia a oração pela paz.
           “Ele, só Ele, nos pode salvar. Só a Misericórdia de Deus pode libertar a humanidade de tantas formas de mal – por vezes monstruosas – que o egoísmo gera nela. A graça de Deus pode converter os corações e suscitar vias de saída em situações humanamente irresolúveis. Onde nasce Deus, nasce a esperança: Ele traz a esperança. Onde nasce Deus, nasce a paz. E, onde nasce a paz, já não há lugar para o ódio e a guerra. E, no entanto, precisamente lá onde veio ao mundo o Filho de Deus feito carne, continuam tensões e violências, e a paz continua um dom que deve ser invocado e construído. Oxalá israelitas e palestinos retomem um diálogo direto e cheguem a um acordo que permita a ambos os povos conviverem em harmonia, superando um conflito que há muito os mantém contrapostos, com graves repercussões na região inteira”.
            E na mensagem para o dia mundial da Paz deste ano, o mesmo Papa Francisco insiste: “Inspiram-nos as palavras de São João Paulo II: ‘Se o sonho de um mundo em paz é partilhado por tantas pessoas..., a humanidade pode tornar-se sempre mais família de todos e a nossa terra uma real casa comum’. Ao longo da história, muitos acreditaram neste ‘sonho’ e as suas realizações testemunham que não se trata duma utopia irrealizável”.
             A paz é possível, mas depende das pessoas implicadas no processo. Se houver ganância, orgulho, incompreensão, atropelo das leis, o não reconhecimento dos direitos dos outros, ela se torna impossível, devido ao mau uso do livre arbítrio que Deus nos deu. E enquanto não reconhecerem aquele que veio trazer a paz, Jesus, nem judeus nem palestinos terão a paz.