A PRAGA DA CORRUPÇÃO

          Na sua recém-terminada Assembleia Geral, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil emitiu uma nota sobre o momento nacional, na qual ressalta o problema da corrupção, usando como lema a frase do Jesus no Evangelho: “Entre vós não deve ser assim” (Mc 10,43):
            “A corrupção, praga da sociedade e pecado grave que brada aos céus (cf. Papa Francisco – O Rosto da Misericórdia, n. 19), está presente tanto em órgãos públicos quanto em instituições da sociedade. Combatê-la, de modo eficaz, com a consequente punição de corrompidos e corruptores, é dever do Estado. É imperativo recuperar uma cultura que prima pelos valores da honestidade e da retidão.  Só assim se restaurará a justiça e se plantará, novamente, no coração do povo, a esperança de novos tempos, calcados na ética”. E adverte: “A credibilidade política, perdida por causa da corrupção e da prática interesseira com que grande parte dos políticos exerce seu mandato, não pode ser recuperada ao preço da aprovação de leis que retiram direitos dos mais vulneráveis...”.
A corrupção é considerada pela ONU o crime mais dispendioso de todos, causa de muitos outros. A corrupção propicia a ocupação de cargos por pessoas indignas, as manobras políticas, a compra de votos, as licitações desonestas, o desvio, a malversação e o desperdício do dinheiro público, a impunidade, o tráfico de drogas e a sua veiculação nos presídios etc.
          “Aquele que ama o ouro não estará isento de pecado; aquele que busca a corrupção será por ela cumulado. O ouro abateu a muitos... Bem-aventurado o rico que foi achado sem mácula... Quem é esse homem para que o felicitemos? Àquele que foi tentado pelo ouro e foi encontrado perfeito está reservada uma glória eterna:... ele podia fazer o mal e não o fez” (Eclo 31, 5-10). São palavras de Deus para todos nós.
          Ao ler o título desse artigo, se pensa logo nos políticos. Mas há muita gente, fora da política, que se enquadra nesse título: quantos exploradores da coisa pública, quantos sugadores do Estado, que não são políticos! Aí se enquadram todos os profissionais ou amadores que se corrompem pelo dinheiro.  Quem vota por dinheiro é corrupto. Quem vota apenas por emprego próprio é corrupto. Quem corre atrás dos políticos para conseguir benesses espúrias é corrupto. Precisamos voltar aos princípios cristãos básicos da honestidade e da justiça.

O Papa Francisco tem insistido sobre a diferença entre pecado e corrupção, entre o pecador e o corrupto. Segundo ele, pecadores somos todos nós, mas o corrupto é aquele que deu um passo a mais: perdeu a noção do bem e do mal. Já não tem mais o senso do pecado. Os corruptos fazem de si mesmos o único bem, o único sentido; negando-se a reconhecer a Deus, o sumo Bem, fazem para si um Deus especial: são Deus eles mesmos. O Papa lembrou que São Pedro foi pecador, mas não corrupto, ao passo que Judas, de pecador avarento, acabou na corrupção. “Que o Senhor nos livre de escorregar neste caminho da corrupção. Pecadores sim, corruptos, não.” (Homilia, 4/6/2013).

A ASSEMBLEIA DA CNBB

          Está acontecendo em Aparecida a 53ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na qual estou presente com os outros irmãos no episcopado, demonstrando a nossa comunhão eclesial efetiva e afetiva, tratando dos assuntos mais importantes para a Igreja no Brasil. Peço as orações de todos, pois é interesse de todos que os seus pastores, sucessores dos Apóstolos, os guiem bem.
Durante a Assembleia, os Bispos celebram a Santa Missa, rezam em comum o Ofício Divino, fazem retiro espiritual e tratam de questões necessárias à vida da Igreja e dos católicos. A Assembleia desse ano tem como tema central as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil e como tema prioritário os Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade, além de tratar de diversos temas, tais como o Relatório do presidente, a avaliação do quadriênio, a análise de conjuntura social e eclesial, informe econômico, Liturgia, apresentação sobre os 300 anos do Encontro da Imagem de Nossa Senhora Aparecida e do projeto 300 anos de bênçãos, eleições e sobre a Reforma Política.
A pergunta que costumam fazer é por que a Igreja trata também de política e assuntos não eclesiásticos. A resposta nos é dada pelo então Papa Bento XVI: “A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política... não pode nem deve se colocar no lugar do Estado. Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça... não poderá firmar-se nem prosperar” (Deus caritas est, n. 28).
Na doutrina social da Igreja, Política é “uma prudente solicitude pelo bem comum” (Laborem exercens, 20). A Igreja está ao serviço do Reino de Deus, anunciando o Evangelho e seus valores e “não se confunde com a comunidade política nem está ligada a nenhum sistema político” (Gaudium et Spes, 76). Mas os cristãos participam na vida pública como cidadãos. “Os fiéis leigos não podem de maneira nenhuma abdicar de participar na ‘política’, ou seja, na multíplice e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover de forma orgânica e institucional o bem comum” (Christifideles laici, 42).
          “Este trabalho político não é competência imediata da Igreja. O respeito de uma sã laicidade – até mesmo com a pluralidade das posições políticas – é essencial na tradição cristã autêntica. Se a Igreja começasse a se transformar diretamente em sujeito político, não faria mais pelos pobres e pela justiça, mas faria menos, porque perderia sua independência e sua autoridade moral, identificando-se com uma única via política e com posições parciais opináveis. A Igreja é advogada da justiça e dos pobres, precisamente ao não identificar-se com os políticos nem com os interesses de partido. Só sendo independente pode ensinar os grandes critérios e os valores irrevogáveis, orientar as consciências e oferecer uma opção de vida que vai além do âmbito político” (Bento XVI, Aparecida, 13-5-2007, Disc. Inaug. do CELAM).

O FATO DA RESSURREIÇÃO

       A revista VEJA da Semana da Páscoa (8 de abril) trouxe interessante reportagem sobre a Ressurreição de Jesus, “o grande dogma do cristianismo”, ressaltando que a comemoração do domingo de Páscoa reafirma o poder da fé na Ressurreição do Filho de Deus morto na Cruz, “ideia”, constata a reportagem, “que se fortalece com a passagem dos milénios”. E pergunta: “por que, depois de pouco menos de 2000 anos, a crença na ressurreição de Jesus Cristo, um dos mais extraordinários mistérios da fé, ainda exerce efeito tão arrebatador?” E constata que, se nada houvesse ocorrido na Páscoa daquele ano, ou seja, se a Ressurreição do Senhor não fosse um fato extraordinário atestado e comprovado, não se conseguiria explicar a miraculosa e extraordinária expansão do cristianismo diante de tantas forças contrárias do paganismo.
            Houve tentativas modernas de se negar a Ressurreição de Jesus como fato histórico. Segundo algumas dessas teorias, Jesus teria ressuscitado “dentro do Kerigma”, segundo a fórmula de Rudolf Bultmann, famoso teólogo protestante, ou seja, a ressurreição significaria apenas que os discípulos haviam reconhecido que “a causa de Jesus continua”! Por isso, torna-se muito elucidativa para nós a tese de Heinrich Schlier, discípulo de Bultmann, sobre a Ressurreição de Jesus, provando o fato histórico, base da fé cristã.
            Heinrich Schelier era pastor luterano, professor de exegese na Alemanha, e, depois, fez parte da “Igreja confessante”, ou seja, a parte da comunidade evangélica alemã que tentava salvaguardar a substância cristã do luteranismo, não aceitando que esse se desintegrasse no movimento que apoiava o nazismo. Depois da guerra, lecionou Novo Testamento e História da Igreja na Faculdade Teológica Evangélica de Bonn. Em 1953, para surpresa do seu mestre Bultmann, converteu-se à Igreja Católica e disse que sua conversão ocorrera de uma forma completamente protestante, ou seja, a partir de sua relação com a Escritura, segundo nos conta Ratzinger. Em 24 de outubro de 1953, foi recebido na Igreja Católica. No dia seguinte, recebe a primeira comunhão e, depois, a confirmação. Tem inúmeras obras teológicas, especialmente essa sobre a Ressurreição de Jesus, prefaciada pelo então Cardeal Joseph Ratzinger.  

            Baseado na história e na Escritura, Schelier  demonstra que “a Igreja primitiva não falou da ressurreição de Jesus Cristo com distanciamento e de modo descompromissado, mas com emoção e num ato de profissão de fé”. E ele argumenta tratar-se de um fato incontestável, embora conserve seu caráter de mistério. Segundo ele, os textos neotestamentários entendem a Ressurreição como um evento, um acontecimento histórico concreto. A Ressurreição não veio da pregação, mas sim a pregação partiu do fato da Ressurreição. E da sua Ressurreição deriva a conclusão lógica de que Ele é o Senhor, como se lê no discurso de São Pedro aos judeus: “De fato, Deus ressuscitou este mesmo Jesus, e disso todos nós somos testemunhas... Portanto, que todo o povo de Israel reconheça com plena certeza: Deus constituiu Senhor e Cristo a este Jesus que vós crucificastes” (At 2, 32-36). 

O AMOR VENCEU O ÓDIO

           A Páscoa, maior festa religiosa do calendário cristão, é a celebração da gloriosa Ressurreição de Jesus Cristo, a sua vitória sobre o pecado, sobre a morte e sobre a aparente derrota da Cruz. Cristo ressuscitou glorioso e triunfante para nunca mais morrer, dando-nos o penhor da nossa vitória e da nossa ressurreição. Choramos a sua Paixão e nos alegramos com a vitória da sua Ressurreição. Para se chegar a ela, para vencer com ele, aprendemos que é preciso sofrer com ele: “Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). “Que por sua Paixão e Cruz cheguemos à glória da Ressurreição!”. A morte não é o fim. O Calvário não foi o fim. Foi a vitória do Céu sobre o Inferno, da humildade sobre o orgulho. Foi o começo de uma redenção, de uma nova vida. A Páscoa é, portanto, a festa da alegria e a da esperança na vitória futura.
“Jesus Cristo ressuscitou! O amor venceu o ódio, a vida venceu a morte, a luz afugentou as trevas! Por nosso amor, Jesus Cristo despojou-Se da sua glória divina; esvaziou-Se a Si próprio, assumiu a forma de servo e humilhou-Se até à morte, e morte de cruz. Por isso, Deus O exaltou e fê-Lo Senhor do universo. Jesus é Senhor! Com a sua morte e ressurreição, Jesus indica a todos o caminho da vida e da felicidade: este caminho é a humildade, que inclui a humilhação. Esta é a estrada que leva à glória. Somente quem se humilha pode caminhar para as “coisas do alto”, para Deus (cf.Col 3, 1-4). O orgulhoso olha de cima para baixo, o humilde olha de baixo para cima”.
“Na manhã de Páscoa, informados pelas mulheres, Pedro e João correram até ao sepulcro e encontraram-no aberto e vazio. Então se aproximaram e inclinaram-se para entrar no sepulcro. Para entrar no mistério, é preciso inclinar-se, abaixar-se. Somente quem se abaixa compreende a glorificação de Jesus e pode segui-Lo na sua estrada”.
“A proposta do mundo é impor-se a todo o custo, competir, fazer-se valer… Mas os cristãos, pela graça de Cristo morto e ressuscitado, são os rebentos duma outra humanidade, em que se procura viver ao serviço uns dos outros, ser não arrogantes, mas disponíveis e respeitadores. Isto não é fraqueza, mas verdadeira força! Quem traz dentro de si a força de Deus, o seu amor e a sua justiça, não precisa usar violência, mas fala e age com a força da verdade, da beleza e do amor”.
“Do Senhor ressuscitado imploramos hoje a graça de não cedermos ao orgulho que alimenta a violência e as guerras, mas termos a coragem humilde do perdão e da paz. A Jesus vitorioso pedimos que alivie os sofrimentos de tantos irmãos nossos perseguidos por causa do seu nome, bem como de todos aqueles que sofrem injustamente as consequências dos conflitos e das violências em curso, e que são tantas” (Papa Francisco, Mensagem Urbi et Orbi).

       Feliz e Santa Páscoa para todos: que todos fiquemos alegres com a esperança que Jesus Cristo, humilde, nos dá com o seu triunfo, penhor da nossa vitória um dia no Céu.

UMA SEMANA ESPECIAL

         Nem todo dia é santo, nem toda semana. Mas essa é. E especial. A Semana Santa.
         Nesta semana, “manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo: nele encontra plena realização toda a ânsia e anelo do coração humano. A alegria do amor, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão diante da ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte... Nele, morto e ressuscitado para a nossa salvação, encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram esses dois mil anos da nossa história da salvação” (Porta Fidei).
 “A missão, que trouxe Jesus entre nós, atinge o seu cumprimento no mistério pascal. Do alto da cruz, donde atrai todos a Si (Jo 12, 32), antes de ‘entregar o Espírito’, Jesus diz: ‘Tudo está consumado’ (Jo 19, 30). No mistério da sua obediência até à morte, e morte de cruz (Fil 2, 8), cumpriu-se a nova e eterna aliança. Na sua carne crucificada, a liberdade de Deus e a liberdade do homem juntaram-se definitivamente num pacto indissolúvel, válido para sempre. Também o pecado do homem ficou expiado, uma vez por todas, pelo Filho de Deus (Hb 7, 27; 1 Jo 2, 2; 4, 10)... No mistério pascal, realizou-se verdadeiramente a nossa libertação do mal e da morte” (Bento XVI, Sacramentum Charitatis).
“Do paradoxo da Cruz surge a resposta às nossas interrogações mais inquietantes. Cristo sofre por nós: Ele assume sobre si os sofrimentos de todos e redime-os. Cristo sofre conosco, dando-nos a possibilidade de partilhar com Ele os nossos sofrimentos. Juntamente com o de Cristo, o sofrimento humano torna-se meio de salvação. Eis por que o crente pode dizer com São Paulo: "Agora alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu Corpo, que é a Igreja" (Cl 1, 24). O sofrimento, aceite com fé, torna-se a porta para entrar no mistério do sofrimento redentor do Senhor. Um sofrimento que já não priva da paz e da felicidade, porque é iluminada pelo esplendor da ressurreição”   (S. João Paulo II).

“‘Humilhou-Se a Si mesmo’ (Fl 2, 8). A humilhação de Jesus. Nesta Semana, a Semana Santa, que nos leva à Páscoa, caminharemos por esta estrada da humilhação de Jesus. E só assim será «santa» também para nós! Esta palavra desvenda-nos o estilo de Deus e, consequentemente, o que deve ser do cristão: a humildade. Um estilo que nunca deixará de nos surpreender e pôr em crise: não chegamos jamais a habituar-nos a um Deus humilde!... Este é o caminho de Deus, o caminho da humildade. É a estrada de Jesus; não há outra... Há outro caminho, contrário ao caminho de Cristo: o mundanismo. O mundanismo oferece-nos o caminho da vaidade, do orgulho, do sucesso... É o outro caminho... Durante esta Semana, empreendamos também nós decididamente esta estrada da humildade, com tanto amor por Ele, Nosso Senhor e Salvador. Será o amor a guiar-nos e a dar-nos força. E, onde Ele estiver, estaremos também nós (cf. Jo 12, 26)” (Papa Francisco, Homilia do Domingo de Ramos, 29-3-2015).