O MAL DA CORRUPÇÃO

           A corrupção é considerada pela ONU o crime mais dispendioso de todos, causa de muitos outros. A corrupção propicia a ocupação de cargos por pessoas indignas, manobras políticas, compra de votos, licitações desonestas, o desvio, a malversação e o desperdício do dinheiro público, a impunidade, o tráfico de drogas, a sua veiculação nos presídios etc.
Certa vez, um rei perguntou aos seus ministros a causa de o dinheiro público não chegar ao seu destino como quando saiu da sua fonte. Um ministro mais velho, sentado na outra cabeceira da mesa, tomou uma grande pedra de gelo e pediu que a passassem de mão em mão até o Rei. Quando a pedra lá chegou estava bem menor. O ministro então disse: é essa a explicação: “passa por muitas mãos e sempre deixa alguma coisa”.  
         “Aquele que ama o ouro não estará isento de pecado; aquele que busca a corrupção será por ela cumulado. O ouro abateu a muitos... Bem-aventurado o rico que foi achado sem mácula... Quem é esse homem para que o felicitemos? Àquele que foi tentado pelo ouro e foi encontrado perfeito está reservada uma glória eterna:... ele podia fazer o mal e não o fez” (Eclo 31, 5-10). São palavras de Deus para todos nós.
Ao ler o título desse artigo, pensa-se logo nos políticos. Mas há muita gente, fora da política, que se enquadra nesse título: quantos exploradores da coisa pública, quantos sugadores do Estado, que não são políticos! Aí se enquadram todos os profissionais ou amadores que se corrompem pelo dinheiro.  Quem vota por dinheiro é corrupto. Quem vota apenas por emprego próprio é corrupto. Quem corre atrás dos políticos para conseguir benesses espúrias é corrupto. 
O Papa Francisco tem insistido sobre a diferença entre pecado e corrupção, entre o pecador e o corrupto. Segundo ele, pecadores somos todos nós, mas o corrupto é aquele que deu um passo a mais: perdeu a noção do bem e do mal. Já não tem mais o senso do pecado. Os corruptos fazem de si mesmos o único bem, o único sentido; negando-se a reconhecer a Deus, o sumo Bem, fazem para si um Deus especial: são Deus eles mesmos. O Papa lembrou que São Pedro foi pecador, mas não corrupto, ao passo que Judas, de pecador avarento, acabou na corrupção. “Que o Senhor nos livre de escorregar neste caminho da corrupção. Pecadores sim, corruptos, não.” (Homilia, 4/6/2013).
A Igreja proclamou padroeiro dos Governantes e dos Políticos São Tomás More, “o homem que não vendeu sua alma”, exatamente porque soube ser coerente com os princípios morais e cristãos até ao martírio. Advogado, Lorde Chanceler do Reino da Inglaterra, preferiu perder o cargo com todas as suas regalias e a própria vida a trair sua consciência.
No atual clima de corrupção e venalidade que invadiu o sistema social, político, eleitoral e governamental, possa o exemplo de Santo Tomás More ensinar aos políticos, atuais e futuros, e a todos nós, que o homem não pode se separar de Deus, nem a política da moral, e que a consciência não se vende por nenhum preço, mesmo que isto nos custe caro e até a própria vida. 

MOMENTO POLÍTICO

       Muitos cobram da Igreja um pronunciamento sobre o momento político. Permanecendo no campo dos princípios, “a Igreja não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende de modo algum imiscuir-se na política dos Estados, mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação... (Bento XVI, Caritas in Veritate, 9). “A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política... não pode nem deve se colocar no lugar do Estado. Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça... não poderá firmar-se nem prosperar” (Bento XVI, Deus caritas est, 28). “Todos os cristãos, incluindo os Pastores, são chamados a se preocupar com a construção de um mundo melhor” (Francisco, EG 183).
Assim sendo, seguindo essa orientação, a CNBB, em sua 54ª Assembleia Geral, sobre o impeachment da Presidente, não emitiu juízo jurídico ou político, “pois tal procedimento cabe às instâncias competentes, respeitado o ordenamento jurídico do Estado democrático de direito”. Mas adverte que “a crise atual evidencia a necessidade de uma autêntica e profunda reforma política, que assegure efetiva participação popular, favoreça a autonomia dos poderes da República, restaure a credibilidade das instituições e garanta a governabilidade”. 
O tema central desta Assembleia dos Bispos foi sobre a ação dos Cristãos Leigos na Igreja e na sociedade. Se a hierarquia da Igreja não se intromete na política, os fiéis leigos têm essa obrigação: “Para animar cristãmente a ordem temporal, ... os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na política, ou seja, da múltipla e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum... A Igreja louva o trabalho dos se dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal cargo, a serviço dos homens” (S. J. Paulo II, Christif. Laici, 42).
O ambiente político, porém, é cheio de ciladas e miragens enganadoras. Muitas vezes, agremiações e partidos enganam a muitos pela semelhança da sua ideologia com a doutrina da Igreja, especialmente com relação ao socorro aos pobres e marginalizados.  Por isso, a Igreja adverte: “Há cristãos, hoje em dia, que se sentem atraídos pelas correntes socialistas e pelas suas diversas evoluções. Eles procuram descobrir aí certo número de aspirações, que acalentam em si mesmos, em nome da sua fé..., contudo, tal corrente foi e continua a ser, em muitos casos, inspirada por ideologias incompatíveis com a fé cristã... (Paulo VI, Octogesima Adveniens, 31). “O socialismo, como doutrina ou fato histórico ou ação, se é verdadeiro socialismo, mesmo depois de se aproximar da verdade e da justiça nos pontos sobreditos, não pode conciliar-se com a doutrina católica, pois concebe a sociedade de modo completamente avesso à verdade cristã” (Pio XI, Quadragesimo Anno, 116).

O LEIGO NA IGREJA

         Está acontecendo em Aparecida a 54ª Assembleia Geral Ordinária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na qual estou presente com os outros irmãos no episcopado, demonstrando a nossa comunhão eclesial efetiva e afetiva, tratando dos assuntos mais importantes para a Igreja no Brasil. Peço as orações de todos, pois é interesse de todos que os seus pastores os guiem bem.
A Assembleia desse ano, entre muitos outros assuntos, tem como tema central “Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade – Sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-14). Os Bispos se dirigem a vocês, cristãos leigos e leigas, agradecidos “pelo testemunho de sua fé, pelo amor e dedicação à Igreja e pelo entusiasmo com que vocês se doam ao nosso povo e às nossas comunidades, até ao sacrifício de si, de suas famílias e de suas atividades profissionais”. Lembramos que foi ao leigo Francisco de Assis que o Cristo Crucificado ordenou: “Vai e reconstrói a minha Igreja”. Temos firme esperança de que os leigos e leigas darão grande contribuição à renovação da Igreja de Cristo e sua atuação no mundo.
O documento conciliar sobre o apostolado dos leigos, “Apostolicam Actuositatem”, dirige-se aos fiéis leigos, lembrando as suas “funções, próprias e inteiramente necessárias na missão da Igreja... O apostolado dos leigos, uma vez que dimana da sua própria vocação cristã, jamais pode deixar de existir na Igreja. A própria Sagrada Escritura demonstra abundantemente quão espontânea e fecunda foi tal atividade nos primórdios da Igreja. Ora os nossos tempos exigem não menor zelo dos leigos; pelo contrário, as circunstâncias atuais reclamam da parte destes um apostolado mais fecundo e absolutamente mais vasto...”. Nas relações com a hierarquia, o documento do Concílio explica que “encontram-se na Igreja muitas iniciativas apostólicas criadas por livre escolha dos leigos e dirigidas pelo seu critério prudente... Mas nenhuma iniciativa se atribua o nome de católica, sem que lhe advenha o consentimento da legítima autoridade eclesiástica...”. “A hierarquia confia aos leigos algumas funções que estão mais intimamente ligadas aos deveres dos pastores, como no ensino da doutrina cristã, nalguns atos litúrgicos e na cura de almas...”.  
S. João Paulo II, na Exortação “Christifideles Laici”, ensina: “a vocação dos fiéis leigos à santidade comporta que a vida segundo o Espírito se exprima de forma peculiar na sua inserção nas realidades temporais e na sua participação nas atividades terrenas”. Insiste, como o faz agora o Papa Francisco: “Os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na política, ou seja, da múltipla e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum... que compreende o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição. A Igreja louva o trabalho de quantos se dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal cargo, a serviço dos homens”. 

O BOM LADRÃO

     

Neste ano da Misericórdia, recordamos uma das personagens mais emblemáticas do perdão que Jesus veio nos trazer: o Bom Ladrão, São Dimas, aquele que estava no Calvário, na cruz ao lado de Jesus, que lhe pediu uma lembrança e recebeu dele a promessa do Paraíso.
Na Cruz onde pagava seus crimes, o Bom Ladrão praticou todas as virtudes: a Fé, reconhecendo em Jesus o Rei Messias, a humildade, confessando os próprios pecados que lhe fizeram merecer a morte de cruz, a caridade e o apostolado para com o outro ladrão, dando-lhe bons conselhos, a paciência, a oração, pedindo a Jesus que se lembrasse dele, etc.
Recordamos trechos do belíssimo sermão do Pe. Antônio Vieira, pregado na Igreja da Misericórdia de Lisboa, no ano de 1655. Antigo, mas muito atual, nesses tempos de corrupção.
Falando de Jesus, que levou o Bom Ladrão ao Paraíso, ele exclama: “Levarem os reis consigo ao Paraíso ladrões, não só não é companhia indecente, mas ação tão gloriosa e verdadeiramente real, que com ela coroou e provou o mesmo Cristo a verdade do seu reinado, tanto que admitiu na cruz o título de rei. Mas o que vemos praticar em todos os reinos do mundo, é tanto pelo contrário, que em vez de os reis levarem consigo os ladrões ao Paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno...”.
E lembra o princípio de Santo Tomás e Santo Agostinho: “Se o alheio que se tomou ou retém se pode restituir e não se restitui, a penitência deste e dos outros pecados não é verdadeira penitência, senão simulada e fingida, porque se não perdoa o pecado sem se restituir o roubado, quando quem roubou tem possibilidade de o restituir. Esta única exceção da regra foi a felicidade do bom ladrão, e esta a razão porque ele se salvou, e também o mau se pudera salvar sem restituírem... Porém se o bom ladrão tivera bens com que restituir, ou em todo, ou em parte o que roubou, toda a sua fé e toda a sua penitência tão celebrada dos Santos, não bastara a o salvar, se não restituísse... Vejam agora, de caminho, os que roubaram na vida e nem na vida, nem na morte restituíram, antes na morte testaram de muitos bens, e deixaram grossas heranças a seus sucessores; vejam onde irão, ou terão ido suas almas, se se podiam salvar”.
“A lei da restituição é Lei Natural e Lei Divina...”. Os que ocupam cargos de autoridade “estão obrigados à restituição como os ladrões; e pecam tanto mais gravemente que os mesmos ladrões, quanto é mais perigoso e mais comum o dano com que ofendem a justiça pública, de que eles estão postos por defensores”. ‘Tirada a justiça, que são os governos se não grandes roubalheiras? (S. Agostinho)’. “O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera... Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos...”.  “Quem não entra pela porta é ladrão (Jo 10,1)... A porta por onde legitimamente se entra ao cargo é só o merecimento... Uns entram pelo parentesco, outros pela amizade, outros pelo suborno, e todos pela negociação... Agora será ladrão oculto, mas depois ladrão descoberto...”.