A REFORMA

      O século XVI foi um dos séculos mais conturbados da história da Igreja, devido especialmente aos excessos da renascença, que, com a pretensa volta aos valores pagãos nas artes e na vida, trouxe uma onda de mundanismo e devassidão, que atingiu também infelizmente a vida de pessoas da Igreja, até nos altos postos da hierarquia.
        Martinho Lutero, monge alemão, abalado já na sua vida espiritual, sentiu-se também escandalizado com esse mundanismo e pretendeu salvar, por si mesmo, a Igreja. Entrou assim em um caminho errado de reforma, causando na verdade uma revolução, destruindo a autoridade e o Magistério da Igreja, e implantando o princípio da livre interpretação das Sagradas Escrituras, o livre-exame, causa das grandes divisões religiosas que se seguiram. 
        Mas a verdadeira reforma, talvez vislumbrada por Lutero, não a pseudo-reforma perpetrada por ele, foi realizada, no mesmo século XVI, pelo Concílio de Trento e pelos santos contemporâneos do monge alemão, como Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz, São Filipe Nery e, sobretudo, Santo Inácio de Loyola com a Companhia de Jesus, concretizando assim o que dizia São João Paulo II: “A Igreja não precisa de reformadores, mas de santos!” Os Santos, reformando a si mesmos, foram os verdadeiros reformadores do mundo e da Igreja.
        Inácio de Loyola, santo cuja memória celebramos hoje, era um oficial espanhol, que, em 1521, mesmo ano da excomunhão de Lutero, no cerco de Pamplona, teve uma perna quebrada por uma bala de canhão e esperava por várias semanas sua cura no hospital. Enfadado, pediu romances para ler e se distrair. Mas não os encontraram e lhe trouxeram uma Vida dos Santos. Aquela leitura o encantou e transformou aquele oficial frívolo num dos maiores santos da Igreja, fundador da Companhia de Jesus, os Jesuítas, a cujas fileiras pertence o nosso Papa Francisco.
        Seu lema “para a maior glória de Deus” o impulsionava e contagiava seus companheiros, especialmente Francisco Xavier, que se tornou o grande missionário das Índias e do Japão. Enquanto Lutero e Calvino propagavam suas ideias, cujas consequências foram a devassidão e a guerra, Santo Inácio com seus companheiros usavam a oração, a caridade, a união com a Igreja e o espírito missionário. Escreveu os célebres “exercícios espirituais”, programa de retiros que inspirou e inspira todos os que querem levar uma vida espiritual séria e bem fundamentada.
        Aqui no Brasil, da Companhia de Jesus, tivemos o grande Apóstolo de nossa Pátria, patrono de todos os catequistas, São José de Anchieta, que, com o Pe. Manoel da Nóbrega, fundou a cidade de São Paulo e participou da fundação da cidade do Rio de Janeiro. Embora não santo, temos da mesma companhia, o mais célebre orador do Brasil, o Padre Antônio Vieira. Também os Quarenta Mártires do Brasil, liderados pelo Bem-aventurado Inácio de Azevedo, martirizados pelos piratas protestantes quando vinham para trabalhar nas missões do Brasil, eram da Companhia de Jesus de Santo Inácio de Loyola.

TRANQUILIDADE

        Não é fácil ficar tranquilo no meio das preocupações. Mas é possível e altamente necessário superar os problemas. Preocupados com o passado e o futuro, não vivemos bem o presente. A memória e a imaginação, não controladas, roubam-nos a paz e a tranquilidade. 
      Bem disse o teólogo e filósofo existencialista Sören Kierkegaard: “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para frente”. No mesmo sentido, afirma o Pe. Roque Schneider: “Que a saudade do ontem e o medo do amanhã não roubem a alegria do nosso hoje”. Precisamos controlar as lembranças do passado e as expectativas do futuro, para não perdermos a paz de espírito. Daí a consoladora oração de São Pio de Pietrelcina: “Senhor, eu peço para o meu passado a vossa misericórdia, para o meu presente o vosso amor, para o meu futuro a vossa providência”. E fiquemos tranquilos assim.
      O célebre livro “A imitação de Cristo”, nos adverte que “a imaginação dos lugares e mudanças a muitos tem iludido” (I, 9). É quase a interpretação da famosa poesia de Vicente de Carvalho: “Essa felicidade que supomos, / Árvore milagrosa, que sonhamos / Toda arreada de dourados pomos, // Existe, sim: mas nós não a alcançamos / Porque está sempre apenas onde a pomos / E nunca a pomos onde nós estamos”.
      Jesus, no seu Sermão da Montanha, nos dá a receita da tranquilidade: “Não fiqueis preocupados quanto à vossa vida... Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros. No entanto, vosso Pai celeste os alimenta. Será que vós não valeis mais do que eles?... Aprendei dos lírios do campo, como crescem. Não trabalham nem fiam, e, no entanto, eu vos digo, nem Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um só dentre eles... Vosso Pai celeste sabe que precisais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. Portanto, não fiqueis preocupados com o amanhã, pois o amanhã terá sua própria preocupação! A cada dia basta o seu mal” (Mt 6, 25-34).
       O mundialmente conhecido escritor Dale Carnegie, no seu best seller “Como evitar preocupações e começar a viver”, cuja leitura recomendo, reforça a sua tese com essa frase do Evangelho, acima citada: “A cada dia basta o seu mal, o seu problema”. Não perder a paz com o que aconteceu ontem, nem com o que imaginamos poderá acontecer amanhã: basta o problema de cada dia. Santa Teresa chamava a imaginação de “a louca da casa”. Ela pode nos perturbar e nos tirar a tranquilidade e a paz, com os perigos e os problemas que nem sequer existem ainda.
      No Pai-Nosso, Jesus nos ensinou a pedir “o pão nosso de cada dia”. Com a palavra “pão” podemos entender não só o alimento, mas também a solução de todos os problemas. De cada dia, não os de amanhã. Abandonemo-nos nas mãos de Deus, que é Pai, e se preocupa conosco e por nós. “Lança sobre Deus o teu cuidado, e ele te sustentará” (Sl 55, 23). “Lançai sobre ele toda a vossa preocupação, pois ele cuida de vós” (1Pd 5,7).

NOSSA SENHORA DO CARMO

      Ontem celebramos uma data importante do mês de julho: a festa de Nossa Senhora do Carmo, uma das mais antigas e conhecidas invocações de Nossa Senhora.
      Quase na divisa com o Líbano, o monte Carmelo, com 600 metros de altitude, situa-se na terra de Israel. “Carmo”, em hebraico, significa “vinha” e “El” significa “Senhor”, donde Carmelo significa a vinha do Senhor. Ali se refugiou o profeta Elias, que lá realizou grandes prodígios, e depois o seu sucessor, Eliseu. Eles reuniram no monte Carmelo os seus discípulos e com eles viviam em ermidas. Na pequena nuvem portadora da chuva após a grande seca, Elias viu simbolicamente Maria, a futura mãe do Messias esperado.
      Assim, Maria foi venerada profeticamente por esses eremitas e, depois da vinda de Cristo, por seus sucessores cristãos, como Nossa Senhora do Monte Carmelo ou do Carmo.
      No século XII, os muçulmanos conquistaram a Terra Santa e começaram a perseguir os cristãos, entre eles os eremitas do Monte Carmelo, muitos dos quais fugiram para a Europa. No ano 1241, o Barão de Grey da Inglaterra retornava das Cruzadas com os exércitos cristãos, convocados para defender e proteger contra os muçulmanos os peregrinos dos Lugares Santos, e trouxe consigo um grupo de religiosos do Monte Carmelo, doando-lhes uma casa no povoado de Aylesford. Juntou-se a eles um eremita chamado Simão Stock, inglês de família ilustre do condado de Kent. De tal modo se distinguiu na vida religiosa, que os Carmelitas o elegeram como Superior Geral da Ordem, que já se espalhara pela Europa.
      No dia 16 de julho de 1251, no seu convento de Cambridge, na Inglaterra, rezava o santo para que Nossa Senhora lhe desse um sinal do seu maternal carinho para com a Ordem do Carmo, por ela tão amada, mas então muito perseguida. A Virgem Santíssima ouviu essas preces fervorosas de São Simão Stock, dando-lhe, como prova do seu carinho e de seu amor por aquela Ordem, o Escapulário marrom, como veste de proteção, fazendo-lhe a célebre e consoladora promessa: “Recebe, meu filho, este Escapulário da tua Ordem, que será o penhor do privilégio que eu alcancei para ti e para todos os filhos do Carmo. Todo aquele que morrer com este Escapulário será preservado do fogo eterno. É, pois, um sinal de salvação, uma defesa nos perigos e um penhor da minha especial proteção”.
      O Papa Pio XII, em carta a todos os carmelitas (11/2/1950), escreveu que entre as manifestações da devoção à Santíssima Virgem “devemos colocar em primeiro lugar a devoção do Escapulário de Nossa Senhora do Carmo que, pela sua simplicidade, ao alcance de todos, e pelos abundantes frutos de santificação, se encontra extensamente divulgada entre os fiéis cristãos”. Mas faz uma advertência sobre sua eficácia, para que não seja usado como superstição: “O sagrado Escapulário, como veste mariana, é penhor e sinal da proteção de Deus; mas não julgue quem o usar poder conseguir a vida eterna, abandonando-se à indolência e à preguiça espiritual”.

URGÊNCIA DA PAZ

         A onda de violência que tem sacudido o mundo de hoje, torna urgente o nosso empenho pela paz. Por isso, faço minha a bela e pungente mensagem do nosso irmão, Dom Gilson Andrade da Silva, Bispo diocesano de Nova Iguaçu, preocupado com a violência na sua região, a Baixada Fluminense, mensagem na qual cita o nosso Papa Francisco:
        “‘Oferecer a paz está no coração da missão dos discípulos de Cristo. E esta oferta é feita a todos os homens e mulheres que, no meio dos dramas e violências da história humana, esperam na paz’ (Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz - 2019). Os esforços em vários âmbitos têm se demonstrado insuficientes para frear uma violência que transforma a todos em vítimas potenciais, mudando os hábitos de convivência e limitando o direito de ir e vir. Não podemos acostumar-nos com o que está acontecendo e ficar indiferentes e paralisados quando vemos que a vida humana, dom sagrado recebido de Deus, é desprezada e tratada como uma realidade banal que pode ser simplesmente eliminada. Temos que nos perguntar: onde está o valor e a dignidade da vida humana? Qual a responsabilidade dos poderes públicos, diante de tamanha violência? Como a mensagem de Cristo pode infundir a esperança em nossos corações? Como a Igreja pode ser um espaço de acolhida, fermento e vida diante desse cenário? Como os jovens, principais vítimas de homicídios, bem como a situação da violência contra a mulher têm recebido a devida e concreta atenção?”
        “Sabemos, por outro lado, que ‘a paz é fruto de um grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária: a paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a impaciência e – como aconselhava São Francisco de Sales – cultivando ‘um pouco de doçura para consigo mesmo’, a fim de oferecer ‘um pouco de doçura aos outros’; a paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado..., tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz consigo; a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro’ (Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz - 2019)”.
        Todos somos chamados a dar a nossa “contribuição para a construção de um novo tempo de reconciliação e de paz, com iniciativas que favoreçam a oração pela paz e possibilitem processos de reflexão, escuta e construção de alternativas de minimização e superação das violências percebidas. Queremos ser uma Igreja orante que se faz solidária, a exemplo do Bom Samaritano, ao lado de todas as vítimas das várias formas de violência. Que saibamos ser denúncia diante da inversão dos valores cristãos, mas sobretudo, mais do que nunca, anúncio de um jeito novo de ser e de viver”.

LÍRIO ENTRE ESPINHOS


          Em meio à onda de devassidão que assola o mundo de hoje, a virtude da pureza está se tornando uma pérola rara e mais preciosa. Por isso vale a pena recordar a vida de uma santa, cuja memória Igreja celebra no próximo dia 6, Santa Maria Goretti, mártir da pureza.
        Santa Maria Goretti, denominada a Santa Inês do século XX, foi assassinada em 6 de julho de 1902, com cerca de 12 anos de idade, porque preferiu morrer a ofender a Deus, pecando contra a castidade, como a queria forçar seu assassino. Ela era uma menina de família católica, de boa formação. Tive a graça de visitar, por duas vezes, o local do seu martírio.
        Belíssimas as palavras do Papa Pio XII a seu respeito: “Santa Maria Goretti pertence para sempre ao exército das virgens e não quis perder, por nenhum preço, a dignidade e a inviolabilidade do seu corpo. E isso não porque lhe atribuísse um valor supremo, senão porque, como templo da alma, é também templo do Espírito Santo. Ela é um fruto maduro do lar cristão, onde se reza, onde se educam os filhos no temor de Deus e na obediência aos pais. Que o nosso debilitado mundo aprenda a honrar e a imitar a invencível fortaleza desta jovem virgem”.
        Seu assassino, Alessandro Serenelli, então com 20 anos, passou 30 anos na prisão e, graças às orações e ao perdão da santa, arrependeu-se e se converteu, morrendo santamente aos 89 anos num convento dos padres capuchinhos em 6 de maio de 1956.
        Ele escreveu o livro “O Punhal de tantos remorsos”, onde diz: “Aos 20 anos, cometi um crime passional, de que agora tenho horror só em recordá-lo. Maria Goretti, agora santa, foi o anjo bom que a Providência colocou no meu caminho para me salvar. Peço perdão ao mundo pelo ultraje feito à mártir Maria Goretti e à pureza. Exorto a todos a se manterem afastados dos espetáculos imorais, dos perigos e das ocasiões que podem conduzir ao pecado. Eu gostaria que os que lessem esta carta (seu testamento) aprendessem a fugir do mal e a fazer sempre o bem. Pensassem desde crianças que a religião, com seus preceitos, não é algo de que se possa prescindir, senão o verdadeiro alento, o único caminho seguro em todas as circunstâncias da vida, até as mais dolorosas”. 
        Santa Maria Goretti e muitas outras santas e santos que viveram sua pureza e castidade são exemplo para todos, especialmente em meio à lama de impureza que nos cerca de todos os lados, especialmente pelos espetáculos e pelos meios de comunicação.
        Eu recordo as graves palavras do saudoso Dom Lucas Moreira Neves, acusando a Televisão, o que poderíamos aplicar também a certos sites da Internet, pela onda de impureza que traz para dentro dos lares: “Acuso-a de ministrar copiosamente a violência e a pornografia. A primeira é servida em filmes para todas as idades. A segunda impera, solta, em qualquer gênero televisivo: telenovelas, entrevistas, programas ditos humorísticos, spots publicitários e clips de propaganda. A TV brasileira está formando uma geração de voyeurs, uma geração de debilóides. Acuso-a de ser corruptora de menores".