FALECIDOS, NÃO MORTOS


           No próximo dia 2 celebraremos a memória dos fieis defuntos, dos nossos falecidos, daqueles que estiveram conosco e hoje estão na eternidade, os “finados”, aqueles que chegaram ao fim da vida terrena e já começaram a vida eterna. Portanto, não estão mortos, estão vivos, mais até do que nós, na vida que não tem fim, “vitam venturi saeculi”. Sua vida não foi tirada, mas transformada. Por isso, o povo costuma dizer dos falecidos: “passou desta para a melhor!” Olhemos, portanto, a morte com os olhos da fé e da esperança cristã, não com desespero pensando que tudo acabou. Uma nova vida começou eternamente. 
 Os pagãos chamavam o local onde colocavam os seus defuntos de necrópole, cidade dos mortos. Os cristãos inventaram outro nome, mais cheio de esperança, “cemitério”, lugar dos que dormem. É assim que rezamos por eles na liturgia: “Rezemos por aqueles que nos precederam com o sinal da fé e dormem no sono da paz”.
            Os santos encaravam a morte com esse espírito de fé e esperança. Assim São Francisco de Assis, no cântico do Sol: “Louvado sejais, meu Senhor, pela nossa irmã, a morte corporal, da qual nenhum homem pode fugir. Ai daqueles que morrem em pecado mortal. Felizes dos que a morte encontra conformes à vossa santíssima vontade. A estes não fará mal a segunda morte”. “É morrendo que se vive para a vida eterna!”. S. Agostinho nos advertia, perguntando: “Fazes o impossível para morrer um pouco mais tarde, e nada fazes para não morrer para sempre?”
            Quantas boas lições nos dá a morte. Assim nos aconselha o Apóstolo São Paulo: “Enquanto temos tempo, façamos o bem a todos” (Gl 6, 10). “Para mim o viver é Cristo e o morrer é um lucro... Tenho o desejo de ser desatado e estar com Cristo” (Fl 1, 21.23). “Eis, pois, o que vos digo, irmãos: o tempo é breve; resta que os que têm mulheres, sejam como se as não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se dele não usassem, porque a figura deste mundo passa” (1 Cor 7, 29-31).
            Diz o célebre livro A Imitação de Cristo que bem depressa se esquecem dos falecidos: “Que prudente e ditoso é aquele que se esforça por ser tal na vida qual deseja que a morte o encontre!... Não confies em amigos e parentes, nem deixes para mais tarde o negócio de tua salvação; porque, mais depressa do que pensas se esquecerão de ti os homens. Melhor é fazeres oportunamente provisão de boas obras e enviá-las adiante de ti, do que esperar pelo socorro dos outros” (Imit. I, XXIII). O dia de Finados foi estabelecido pela Igreja para não deixarmos nossos falecidos no esquecimento.
            Três coisas pedimos com a Igreja para os nossos falecidos: o descanso, a luz e a paz. Descanso é o prêmio para quem trabalhou. O reino da luz é o Céu, oposto ao reino das trevas que é o inferno. E a paz é a recompensa para quem lutou. Que todos os que nos precederam descansem em paz e a luz perpétua brilhe para eles. Amém

PEREGRINAÇÃO EM ROMA

          Estou em Roma, “cidade eterna”, para acompanhar a Peregrinação internacional Summorum Pontificum, da qual fui convidado para celebrar a Missa Solene Pontifical de encerramento, na Basílica de Santa Maria sopra Minerva, no próximo domingo, dia 27. Hoje, quarta-feira, estarei presente na audiência do Santo Padre, o Papa Francisco, na Praça de São Pedro. Além de cumprimentar pessoalmente o Papa, dele receberei a bênção especial para todos os que me são caros, entre os quais incluo os meus leitores.
            Um dos pontos altos dessa peregrinação será a Missa celebrada na Basílica de São Pedro, no sábado, dia 26, pelo Cardeal Dom Dario Castrillón Hoyos, o mesmo que, em nome do Papa, erigiu a nossa Administração Apostólica e presidiu a minha ordenação episcopal.
            Haverá também uma Missa Pontifical celebrada por Dom Athanasius Schneider, Bispo auxiliar de Astana, no Cazaquistão, além de muitos outros atos religiosos, tais como Vésperas solenes, oficiada por Dom Guido Pozzo, secretário da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, um encontro sacerdotal com Dom Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a promoção da nova Evangelização, Via Sacra sobre a colina do Palatino e adoração eucarística na Chiesa Nuova.
            Todas as Missas dessa peregrinação serão celebradas na forma antiga do Rito Romano, pois essa romaria é dirigida aos sacerdotes e fiéis ligados a essa forma litúrgica, que foi concedida a toda a Igreja pelo Papa Bento XVI, com o motu próprio Summorum Pontificum, daí o nome da Peregrinação.
A antiga forma da Liturgia Romana, chamada também forma extraordinária, é uma das riquezas litúrgicas católicas e foi usada por muitos santos por vários séculos. É conservada por muitas congregações religiosas, paróquias, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo; no Brasil, são mais de 100 lugares onde se conserva essa Liturgia, com a devida permissão dos Bispos locais, como deve sempre ser. Como todos sabem, nós também a conservamos em nossa Administração Apostólica, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé, por apreciar essa beleza litúrgica, clara expressão católica dos dogmas eucarísticos. E a Santa Sé reconhece essa nossa sensibilidade e adesão como perfeitamente legítimas. Assim se expressara o então Cardeal Ratzinger: “Se bem que haja numerosos motivos que possam ter levado um grande número de fiéis a encontrar refúgio na liturgia tradicional, o mais importante dentre eles é que eles aí encontram preservada a dignidade do sagrado” (Conferência aos Bispos chilenos, Santiago, 13/7/1988). A nossa presença nessa peregrinação significa o nosso apoio a esses católicos de todo o mundo e, ao mesmo tempo, tem a finalidade de mostrar-lhes a correta posição de conservar a liturgia tradicional em perfeita comunhão com o Santo Padre, o Papa, e com toda a Igreja. Assim, desse modo bem compreendida, a Missa na forma antiga contribui grandemente para a correta “ars celebrandi” e para a “paz litúrgica” na Igreja, como desejava Bento XVI.


DIA DO PROFESSOR

        Ontem, dia 15, dia de Santa Teresa de Jesus, grande mestra da vida espiritual, e exatamente por isso, é comemorado o dia do professor. Deixo aqui consignada a minha saudação e gratidão a todos os que se dedicam a essa nobre e benemérita carreira, difícil, mas nem sempre reconhecida e condignamente gratificada. Mais do que uma profissão, educar é uma arte, uma vocação e uma missão: formar, conduzir crianças, jovens e adultos no caminho da verdade, sugerindo opiniões conscientes, aconselhando e tornando-se amigos e irmãos dos seus alunos. Que Deus os abençoe e lhes dê coragem, paciência e perseverança.
Ser professor é ser educador e mestre. E ser mestre é muito mais do que ensinar matérias, como bem escreveu o nosso ilustre poeta Antônio Roberto Fernandes, de saudosa memória: “Ser mestre não é só contar a história/ de um certo Pedro Álvares Cabral/ Mas descobrir, de novo, a cada dia, um mundo grande, livre, fraternal. Ser mestre não é só mostrar nos mapas/ onde se encontra o Pico da Neblina/ Mas é subir, guiando os alunos,/ à montanha da vida que se empina... Ser mestre é ser o pai, a mãe, o amigo,/ mostrando sempre a direção da luz,/ pois a palavra Mestre – sobretudo –/ também é um dos nomes de Jesus.”
            A melhor definição de educação nós a encontramos no Direito Canônico, conjunto de normas da Igreja (cânon 795): é a formação integral da pessoa humana, dirigida ao seu fim último e, ao mesmo tempo, ao bem comum da sociedade, de modo que as crianças e jovens possam desenvolver harmonicamente seus dotes físicos, morais e intelectuais, adquirir um sentido mais perfeito da responsabilidade e um uso correto da liberdade, preparando-se para participar ativamente da vida social. Que missão nobre, sublime e difícil a do professor-educador! Indicando aos alunos o sentido da vida, ele vai ajudá-los a dominar seus instintos e a dirigi-los pela razão, a desenvolver o conjunto de suas faculdades, a combater as más paixões e desenvolver as boas, a adquirir o domínio de si e a orientar seus sentimentos, levando em conta as diversas fases da vida e as características do seu temperamento, formando assim sua personalidade e seu caráter. Sendo assim, o mestre é cooperador da Graça de Deus, que, como Pai, só quer o bem dos seus filhos.
            Mas, será que vale a pena tanto esforço por tão pouco reconhecimento e tão pouco salário? “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Se o professor trabalha por vocação, sentir-se-á recompensado pelos frutos do seu trabalho, mesmo que não apareçam imediatamente.

            A você, portanto, caro professor e querida professora, a nossa homenagem por ter recebido de Deus tão nobre e importante missão e a nossa gratidão reconhecida pelo seu trabalho, que não se mede pela produção imediata, mas por frutos, muitas vezes escondidos, que só vão aparecer ao longo da vida e que estarão escritos no livro da eternidade. 

A SENHORA APARECIDA

            No próximo dia 12, celebraremos a Padroeira do Brasil. Em suas caravelas, ornadas com a Cruz da Ordem de Cristo, os portugueses trouxeram-nos a devoção à Mãe de Jesus: Pedro Álvares Cabral, na sua nau capitânia, transportava a imagem de Nossa Senhora da Esperança.
Mas a devoção a Nossa Senhora Aparecida começou em 1717, quando, por ocasião da visita do Conde de Assumar à cidade de Guaratinguetá, SP, foi pedido aos pescadores locais peixes para o banquete do nobre visitante. Três pescadores, amigos entre si, João Alves, Domingos Garcia e Vicente Pedroso, tentavam e não conseguiam os peixes que necessitavam, quando apanharam em suas redes uma pequena imagem truncada de Nossa Senhora da Conceição e a seguir, num lance de rede sucessivo, a cabeça da mesma imagem, conseguindo, num terceiro lance, imensa quantidade de peixes. A esse milagre sucederam muitos outros. A imagem foi chamada de “Aparecida” e colocada numa pequena capela que, com o tempo, tornou-se o monumental Santuário Nacional, maior centro de peregrinação do país.
É óbvio que ali houve algo sobrenatural. Pois como explicar que uma simples imagem, quebrada, pudesse atrair milhões de pessoas em oração fervorosa, ininterruptamente, há quase três séculos, sem uma intervenção divina e uma bênção especial da Mãe de Jesus?
Em 1904, Nossa Senhora Aparecida, foi coroada Rainha do Brasil. No Congresso Mariano de 1929, quando se comemorou o Jubileu de Prata dessa Coroação, os bispos do Brasil decidiram enviar um pedido ao Papa para que declarasse Nossa Senhora Aparecida Padroeira de toda a nação brasileira. Este pedido tornou-se realidade através do Decreto do Papa Pio XI, de 16 de julho de 1930, no qual diz: “... Na plenitude de nosso Poder Apostólico, pelo teor da presente Carta, constituímos e declaramos a Beatíssima Virgem Maria concebida sem mancha, conhecida sob o título de Aparecida, Padroeira principal de todo o Brasil junto de Deus... concedendo isso para promover o bem espiritual dos fiéis no Brasil e para aumentar, cada vez mais, sua devoção à Imaculada Mãe de Deus...”.
A proclamação oficial se realizou numa grande manifestação popular de um milhão de pessoas, no Rio de Janeiro, então capital federal, com o reconhecimento oficial do Governo do país, pela presença do seu Presidente, Dr. Getúlio Dornelles Vargas, e de outras autoridades civis, militares e eclesiásticas. Era o Brasil reconhecendo oficialmente sua padroeira.
Que o Brasil, que nasceu católico desde a sua descoberta, cujo primeiro monumento foi um altar e uma cruz, que teve como primeira cerimônia uma Missa, que tem essa Senhora Padroeira, mostre-se digno de tais origens e de tal Patrona, em suas instituições, suas leis, seus governantes, sua política, seus legisladores, sua população e seu modo de viver, na verdadeira justiça e caridade, na ordem e no verdadeiro progresso, na harmonia e no bem comum, na lei de Deus e na coerência com os princípios da fé cristã, base da nossa identidade pátria e princípio de toda a convivência honesta, solidária e pacífica.


UMA ADVERTÊNCIA DO PAPA

        A Igreja tem dezenas de ritos, orientais e latinos, expressões litúrgicas diferentes do mesmo culto prestado a Deus A diversidade litúrgica, quando legítima, é fonte de enriquecimento, manifesta a catolicidade da Igreja e não prejudica a sua unidade, por significarem e comunicarem o mesmo mistério de Cristo (cf. C.I.C. nº 1206 e 1208).
Uma dessas riquezas litúrgicas católicas é a antiga forma da Liturgia Romana, chamada também forma extraordinária, usada por muitos santos por vários séculos. Nós a conservamos em nossa Administração Apostólica, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé, como o fazem igualmente muitas congregações religiosas, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo, por apreciar essa beleza litúrgica, clara expressão católica dos dogmas eucarísticos. E a Santa Sé reconhece essa nossa sensibilidade e adesão como perfeitamente legítimas. Assim se expressara o então Cardeal Ratzinger: “Se bem que haja numerosos motivos que possam ter levado um grande número de fiéis a encontrar refúgio na liturgia tradicional, o mais importante dentre eles é que eles aí encontram preservada a dignidade do sagrado” (Conferência aos Bispos chilenos, Santiago, 13/7/1988). Desse modo bem compreendida, a Missa na forma antiga contribui grandemente para a “pax litúrgica” na Igreja, como desejava Bento XVI.
Em sua famosa entrevista à revista Civiltá Cattolica, publicada em 19 de setembro último, o Papa Francisco, a respeito da Missa na forma antiga, ressaltou a prudência de Bento XVI ao estender a concessão da celebração dessa forma litúrgica a toda a Igreja, em atenção às pessoas que têm essa sensibilidade particular. Mas fez uma advertência: “Considero, no entanto, preocupante o risco da ideologização do Vetus Ordo, a sua instrumentalização”.
O risco da ideologização e instrumentalização ocorre naqueles que querem conservar a antiga liturgia independentemente da Hierarquia e, pior ainda, usá-la como fator de divisão e crítica ao Magistério da Igreja. Por isso escrevi na minha primeira mensagem pastoral de 5 de janeiro de 2003: “Conservemos a Tradição e a Liturgia tradicional, em união com a Hierarquia e o Magistério vivo da Igreja, e não em contraposição a eles”. É claro: “Em erro perigoso estão aqueles que julgam poder unir-se a Cristo, cabeça da Igreja, sem aderirem fielmente ao seu Vigário na terra” (Pio XII, Enc. Mystici Corporis, 40). A celebração da Santa Missa, pois, só é legítima se em comunhão com a hierarquia: “Somente neste contexto, tem lugar a celebração legítima da Eucaristia e a autêntica participação nela” (João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 35). “Que se considere legítima só esta Eucaristia que se faz sob a presidência do Bispo ou daquele a quem este encarregou” (S. Inácio de Antioquia, Smyrn., 8,1).
  “A diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas pode também provocar tensões, incompreensões recíprocas e até mesmo cismas. Neste campo, é claro que a diversidade não deve prejudicar a unidade. Esta unidade não pode exprimir-se senão na fidelidade à fé comum ... e à comunhão hierárquica” (João Paulo II, Vigesimus Quintus Annus, 16, 4/12/1988).