O SENTIDO DA CRUZ


Nesta semana, somos convidados pela Igreja a meditar na Paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, que, pelo seu sacrifício, operou a nossa Redenção. “Por nossa causa, por causa de nossa salvação, desceu do Céu, se encarnou, foi crucificado também por nós, sofreu e morreu, foi sepultado e ressuscitou” (Credo da Missa).  Por isso a Cruz é o símbolo do cristianismo. Por isso também, ele instituiu o Sacrifício da Missa, para renovar todos os dias, de modo incruento, a sua oblação do Calvário. Assim, todos os dias, no altar, é Sexta-feira Santa. E Páscoa também, pois Jesus ali está ressuscitado. É o completo Mistério Pascal.
Nesse Domingo de Ramos, o Santo Padre, o Papa Francisco, lembrou-nos em sua homilia a teologia da Cruz: “Para que entra Jesus em Jerusalém? Ou talvez melhor: Como entra Jesus em Jerusalém? A multidão aclama-O como Rei. E Ele não Se opõe, não a manda calar (cf. Lc 19, 39-40). Mas, que tipo de Rei seria Jesus? Vejamo-Lo… Monta um jumentinho, não tem uma corte como séquito, nem está rodeado de um exército como símbolo de força. Quem O acolhe são pessoas humildes, simples, que possuem um sentido para ver em Jesus algo mais; têm o sentido da fé que diz: Este é o Salvador. Jesus não entra na Cidade Santa, para receber as honras reservadas aos reis terrenos, a quem tem poder, a quem domina; entra para ser flagelado, insultado e ultrajado, como preanuncia Isaías... (cf. Is 50, 6); entra para receber uma coroa de espinhos, uma cana, um manto de púrpura (a sua realeza será objeto de ludíbrio); entra para subir ao Calvário carregado com um madeiro... Jesus entra em Jerusalém para morrer na Cruz. E é precisamente aqui que refulge o seu ser Rei segundo Deus: o seu trono real é o madeiro da Cruz! Vem-me à mente aquilo que Bento XVI dizia aos Cardeais: Vós sois príncipes, mas de um Rei crucificado. Tal é o trono de Jesus. Jesus toma-o sobre Si… Porquê a Cruz? Porque Jesus toma sobre Si o mal, a sujeira, o pecado do mundo, incluindo o nosso pecado, o pecado de todos nós, e lava-o; lava-o com o seu sangue, com a misericórdia, com o amor de Deus... E na cruz, Jesus sente todo o peso do mal e, com a força do amor de Deus, vence-o, derrota-o na sua ressurreição. Este é o bem que Jesus realiza por todos nós sobre o trono da Cruz. Abraçada com amor, a cruz de Cristo nunca leva à tristeza, mas à alegria, à alegria de sermos salvos e de realizarmos um bocadinho daquilo que Ele fez no dia da sua morte”.
            A Campanha da Fraternidade deste ano é “Fraternidade e Juventude”. E, como Domingo de Ramos, foi também a jornada diocesana da juventude, o Papa Francisco disse aos jovens: “... bem o sabeis vós, que o Rei que seguimos e nos acompanha, é muito especial: é um Rei que ama até à cruz e nos ensina a servir, a amar. E vós não tendes vergonha da sua Cruz; antes, a abraçais, porque compreendestes que é no dom de si,  no sair de si mesmo, que se alcança a verdadeira alegria e que com o amor de Deus Ele venceu o mal... Os jovens devem dizer ao mundo: é bom seguir Jesus; é bom andar com Jesus; é boa a mensagem de Jesus; é bom sair de nós mesmos para levar Jesus às periferias do mundo e da existência...”.

TROCAR O FUSÍVEL!


Neste início de Pontificado do Papa Francisco, nossa Administração Apostólica vem expressar seus cumprimentos, respeito, apoio, dedicação e inteira submissão ao Santo Padre, no qual vemos o sucessor de São Pedro, a pedra sobre a qual Nosso Senhor edificou a sua Igreja, o “princípio perpétuo e o fundamento visível da unidade na Fé e na Caridade da Igreja”.
Faço minhas as palavras de Dom Antônio de Castro Mayer, quando bispo diocesano de Campos, referindo-se ao Beato João Paulo II: “Como fiéis católicos, nas nossas relações com o Papa devemos nos conduzir por um vivo espírito de Fé. E ver no Papa sempre o Vigário de Cristo na terra, cujas palavras, no exercício de seu múnus, devem ser tomadas como palavras do mesmo Senhor. Por isso, ao Papa devemos respeito, veneração e dócil obediência, evitando todo espírito de crítica destrutiva. É preciso que nosso procedimento reflita a convicção de nossa Fé que nos aponta no Papa o Vigário do próprio Jesus Cristo” (Veritas, abril-maio de 1980).
            Sul-Americano, nascido em Buenos Aires, membro da Companhia de Jesus, com sua eleição, tornando-se agora o 265º sucessor de São Pedro, o Papa Francisco já não é mais argentino, nem jesuíta, nem americano, pois pelo seu ministério petrino, torna-se o pai comum de todos os católicos, de todos os países, cabeça visível de todos os membros do Corpo Místico de Cristo. Todo Papa é cosmopolita e sua condição transcende todas as suas individualidades. 
            O nome de Francisco nos faz lembrar a aparição de Jesus a São Francisco de Assis: “Vai, Francisco, e reconstrói a minha Igreja, que está em ruínas!” Ele o fez, pela sua santidade.
“Que o Senhor o conserve e sustente, não permitindo que caia nas mãos dos inimigos!”, diz a oração pelo Papa. Rezemos sempre por ele. São Pedro, afundando nas águas, mas levantado e sustentado por Jesus, simboliza a Igreja, nas suas fraquezas humanas, sustentada pelo divino Salvador, que nunca permitirá que as portas do Inferno prevaleçam contra ela.
            Creio que os Cardeais quiseram escolher um pastor prático, capaz de continuar a verdadeira reforma da Igreja, na linha doutrinária magisterial, que não muda. Por ser oriundo da Companhia de Jesus, fundada por Santo Inácio, cujas características sempre foram a boa formação intelectual e o espírito missionário, esperamos que o novo Papa desenvolva e implemente a nova Evangelização e a reforma, querida pelo Papa anterior e por toda a Igreja.
Os Jesuítas costumam ser práticos. Assim eles catequizaram e civilizaram nossos índios, ensinando-lhes com a religião, música, teatro, amor ao trabalho e previdência para o dia seguinte: comprovam-no as reduções jesuíticas do sul do Brasil, Paraguai e Argentina.
Nos meios clericais, conta-se a seguinte anedota: vários religiosos estavam à noite rezando em coro o Ofício Divino: um beneditino, um dominicano, um franciscano e um jesuíta. Em dado momento, faltou a luz. O beneditino continuou a rezar, pois sabe tudo de cor. O dominicano começou a pregar sobre a escuridão espiritual. O franciscano recitou uma poesia sobre a irmã, a noite. O jesuíta, bem, o jesuíta... foi trocar o fusível, para que a luz voltasse!

PEDRO?... SEM CHANCE!


Toda a Igreja está em oração pelo bom sucesso do Conclave que se reúne para eleger o sucessor de São Pedro, o próximo Papa. Por mais que falem mal dela, os meios de comunicação se veem obrigados a confessar involuntariamente a importância excepcional que a Igreja tem na história do mundo e a repercussão que sua vida provoca em toda a humanidade.
Mas, infelizmente, os homens do mundo em geral só vêm a face humana da Igreja, não tendo capacidade de ver o que nela há de sobrenatural. “O homem natural (animal) não compreende as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucuras, nem as pode compreender, porque é espiritualmente que se devem ponderar” (I Cor 2, 14). Por isso o candidato a usar o anel do pescador, ao papado, é em geral analisado nos seus aspectos humanos e mundanos, sendo as qualidades do futuro Papa assim ressaltadas.
Sob esse prisma e pelos parâmetros atuais, como me disse certa vez um Cardeal, São Pedro não teria a menor chance de ser eleito em um Conclave. Com efeito, seu currículo era bem fraco e nada entusiasmante. Oriundo da Galiléia, região não muito apreciada, pescador do lago de Genesaré, só falava uma língua, assim mesmo em dialeto, e não tinha grandes estudos. Era um instável emocional e impulsivo, foi até chamado por Jesus de “satanás”, quer dizer, adversário, quando, com vistas humanas, quis impedi-lo de ir a Jerusalém para sofrer sua Paixão. Mesmo com todas as promessas a ele feitas, acabou fugindo quando Jesus foi preso, e, pior ainda, negou que o conhecia, para escapar de uma eventual prisão. Era, humanamente falando, alguém não confiável para exercer qualquer cargo de importância. E, se houvesse “mídia” naquele tempo, ele seria completamente desmoralizado. Numa banca de apostas, qual chance teria Pedro de ser eleito em um Conclave? Você apostaria nele e, se fosse Cardeal, votaria nele?
“Meus pensamentos não são os vossos, e vosso modo de agir não é o meu, diz o Senhor, mas tanto quanto o céu está acima da terra, tanto é superior à vossa a minha conduta e meus pensamentos ultrapassam os vossos” (Is 55, 8-9).
Assim, “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20). Pedro foi a “pedra” escolhida por Jesus para ser o fundamento de sua Igreja, o primeiro Papa, o seu “vigário” aqui na terra. Assim como Jesus, “a pedra rejeitada pelos construtores tornou-se a pedra angular” (Mt 21, 42). Pedro caracteriza bem a Igreja, em seu aspecto humano e divino. Fraca e forte, desprezível e imbatível, sacudida, mas indefectível, cheia de pecadores, mas santa em sua doutrina e na sua graça. E isso por causa da garantia que lhe dá o próprio Jesus Cristo. A vinda do Espírito Santo transformou aquele pescador em um sábio poliglota, em um valente defensor de Cristo, até com a própria vida. Por isso, apesar de todas as fraquezas da sua parte humana, ele recebeu o carisma de confirmar os seus irmãos na Fé e de apascentar as ovelhas e os cordeiros do Senhor. E os poderes do Inferno jamais prevalecerão contra a Igreja, edificada sobre essa pedra: “Non praevalebunt! (Mt 16, 18)”. 

O CONCLAVE E A CRISE


A Igreja aqui na terra chama-se militante, quer dizer, continuamente em guerra, contra inimigos internos e externos, ou seja, “em crise”. Mas isso já há dois mil anos! A paz completa só será na Igreja triunfante do Céu, quando a “Barca de Pedro”, após passar pelas ondas do mar bravio desse mundo, chegar ao porto da salvação eterna.   
 “Para levantar a Igreja do estado de relaxamento e de confusão em que se encontram universalmente todos os níveis, nem toda a ciência e prudência humana conseguem remediar, mas é preciso o braço onipotente de Deus. Entre os bispos, poucos são os que têm verdadeiro zelo pelas almas. As comunidades religiosas, quase todas e mesmo sem o quase, estão relaxadas, porque nas congregações, na presente confusão das coisas, falta a observância e a obediência se perdeu. No clero secular as coisas estão piores e, por isso, faz-se necessária aí uma reforma geral para todos os eclesiásticos, de maneira a reparar a grande corrupção dos costumes, que existe entre os seculares”.
“Por isso é preciso rezar a Jesus Cristo que nos dê um Chefe da Igreja que, mais do que de doutrina e de prudência humana, seja dotado de espírito e de zelo pela honra de Deus, e seja totalmente alheio a qualquer partido e respeito humano, porque se, por nossa desgraça, acontecesse um Papa que não tem apenas a glória de Deus diante dos olhos, o Senhor pouco o assistirá e as coisas, como estão nas presentes circunstâncias, irão de mal a pior”.
“As orações podem trazer remédio a tanto mal, ao obter de Deus que ele mesmo ponha a sua mão e conserte... eu desejaria ver reformados tantos desarranjos presentes... Em primeiro lugar, gostaria que o próximo Papa escolhesse, entre aqueles que lhe serão propostos, os mais doutos e zelosos pelo bem da Igreja... Que se usasse diligência ao escolher os bispos (dos quais, principalmente, depende o culto divino e a salvação das almas), solicitando informações a mais pessoas sobre a sua vida digna e doutrina necessária para governar as dioceses. E que, também para aqueles que já estão em suas igrejas, se exigisse dos metropolitanos e de outros, secretamente, a informação sobre aqueles bispos que pouco atendem o bem de suas ovelhas... Sobretudo, desejaria que o Papa reconduzisse universalmente todos os religiosos à observância do seu primeiro Instituto, pelo menos nas coisas principais... Nada podemos fazer, a não ser rezar ao Senhor, que nos dê um Pastor pleno do seu espírito, que saiba estabelecer estas coisas que acenei brevemente, conforme for mais conveniente à glória de Jesus Cristo”.
Essas considerações acima foram feitas em 24 de outubro de 1774 e são trecho de uma carta de Santo Afonso Maria de Ligório ao Cardeal Castelli, que lhe havia solicitado observações sobre a eleição do novo Papa e os principais abusos que deveriam ser extirpados da Igreja, pretendendo o Cardeal levar a carta ao Conclave próximo. Essa descrição de Santo Afonso nos mostra que as crises na Igreja não são de agora. A “barca de Pedro” já venceu outras tempestades.
“Peçamos com insistência ao Senhor que nos ofereça um pastor segundo o seu Coração, um pastor que nos guie ao conhecimento de Cristo, ao seu amor, à verdadeira alegria” (Cardeal Joseph Ratzinger, na preparação para o Conclave de 2005).