Diante
do sofrimento atual com essa pandemia, surge sempre a questão da existência do
mal: “Se Deus existe, de onde vem o mal?” (Leibniz). Se Deus, Pai
todo-poderoso, cuida de todas as suas criaturas, por que então o mal existe? O
Catecismo da Igreja Católica nos diz que a resposta não pode ser dada de modo
rápido e simples, mas há que se considerar todo o conjunto da fé cristã: a
bondade da criação, as sábias leis divinas da natureza, a pequenez e limitação
da criatura – só Deus é perfeitíssimo, sem deficiências; as criaturas, não -, a
liberdade humana, o drama do pecado, o amor paciente de Deus, a sabedoria
misteriosa da Providência divina, enfim, todo o conjunto da mensagem cristã
traz a solução para o problema do mal.
Em sua sabedoria e bondade infinitas, Deus
quis criar um mundo em estado de busca da perfeição última. Essa série de
transformações que se operam no universo permite, no desígnio de Deus,
juntamente com o mais perfeito, também o imperfeito, com as construções da
natureza, também as destruições. Juntamente com o bem físico existe, portanto,
o mal físico, enquanto a criação não houver atingido a sua perfeição. As leis
físicas e químicas universais, criadas por Deus, são benéficas universalmente,
embora, pela deficiência das criaturas, por serem tais, possam produzir alguns
malefícios particulares, a não ser que Deus interfira com um milagre, que é a
suspensão temporária do efeito das suas leis universais da natureza, o que só
raramente acontece, por motivos só dele conhecidos.
Além
disso, existe o mal moral, procedente da vontade livre do homem, pelo mau uso
da liberdade que Deus lhe deu para poder merecer agindo sem coação.
E
Deus sempre sabe tirar do mal um bem. “Deus todo-poderoso, por ser
soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em suas obras se não
fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar o bem do próprio mal” (S.
Agostinho, De libero arbítrio, I, 1, 2). E nós também devemos sempre
tirar do mal um bem: a caridade, a solidariedade, o arrependimento, a
contrição, o propósito de melhorarmos a nós e o mundo, a paciência, a
humildade, o desapego, enfim as virtudes cristãs que nos preparam para uma
eternidade feliz, sem males.
Neste
tempo quaresmal, cujo ápice será a celebração da vitória de Cristo sobre o mal
e a morte, ouçamos o maior teólogo vivo da Igreja: “Ao longo deste
tempo, manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo, ‘autor e consumador da fé’ (Hb 12, 2): n’Ele encontra plena
realização toda a ânsia e aspiração do coração humano. A alegria do amor, a
resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão face à
ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte, tudo isto
encontra plena realização no mistério da sua Encarnação, do seu fazer-Se homem,
do partilhar conosco a fragilidade humana para a transformar com a força da sua
ressurreição. N’Ele, morto e ressuscitado para a nossa salvação, encontram
plena luz os exemplos de fé que marcaram estes dois mil anos da nossa história
de salvação” (Papa emérito Bento XVI, Porta Fidei, 13).