A AMBIÇÃO DO PODER E O PODER DA AMBIÇÃO

         O lema da Campanha da Fraternidade desse ano – “Eu vim para servir” - foi tirado do discurso de Jesus sobre o modo de mandar, liderar e chefiar que ele desejava fosse adotado na sua Igreja: “Sabeis que os que são considerados chefes das nações as dominam e os seus grandes fazem sentir seu poder. Entre vós não deve ser assim. Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós seja o escravo de todos. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10, 42-45).
       Jesus não está negando o poder que deve haver na hierarquia da sua Igreja, mas explicando o modo de exercê-lo. A modo de serviço. Servir, em latim, é “ministrare”. Daí vem a palavra “ministro”, aquele que serve. O sacerdote é ministro, servidor dos fiéis, o Bispo, ministro para os seus sacerdotes, isto é, servidor, e o Papa, desde tempos imemoriais, assina “servus servorum Dei”, servo dos servos de Deus. E Jesus nos deu o exemplo: “Sendo Deus por natureza, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo” (Fl 2, 6-7). E São Paulo pede que tenhamos esse mesmo sentir e pensar.
       Concomitante com a ambição do poder, existe a ambição de possuir. Infelizmente, nos ambientes religiosos, tem sido cultivada a teologia da prosperidade, que propaga a falsa ideia de que ser rico e próspero é ser abençoado por Deus, ser pobre é ser por ele amaldiçoado. A prosperidade é apresentada como prova de fidelidade a Deus. A Fé se torna um instrumento para se obter saúde, riqueza, sucesso e poder terrenos. Os males, as doenças a pobreza são produtos do Diabo. Deturpando, pois, o sentido verdadeiramente evangélico, essa teologia da prosperidade cultiva o individualismo e o interesse próprio, o oposto do verdadeiro cristianismo.
             Erradamente, reforçam sua tese dizendo que temos que viver como “filhos do Rei”, isto é, na prosperidade material. Transforma-se assim a religião em puro materialismo, falsamente baseado na Sagrada Escritura. É claro que não faltam citações que corroborem essa tese, mas todas do Antigo Testamento, não do Novo, que é a plenitude da Revelação.
            Jesus, o verdadeiro filho do Rei, Rei ele mesmo, veio “para servir”. Nasceu pobrezinho numa manjedoura em Belém, viveu humilde e pobre em Nazaré, numa família simples. Na sua vida pública, viveu sem bens materiais: “As raposas têm tocas e os pássaros do céu têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8, 20). “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24). “Em verdade vos digo, dificilmente um rico entrará no Reino dos Céus. E digo ainda: é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19, 20).
        Não é condenável possuir riquezas, desde que honestamente.  O direito de propriedade é defendido por lei divina (7º Mandamento). Mas “sobre toda propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu” (São João Paulo II, 29-1-1979), ou seja, se se tem dinheiro é preciso usá-lo para o bem do próximo e da sociedade.  O que é reprovável é a desenfreada busca do dinheiro e a ambição de ficar rico. “A raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Por se terem entregue a ele, alguns se desviaram da fé e se afligem com inúmeros sofrimentos” (1Tm 6, 10). E, pior, querer usar da religião como meio de se enriquecer e prosperar.

 É uma visão, portanto, deturpada do cristianismo a teologia da prosperidade, com sua visão individualista e materialista, instrumentalizando a religião para benefício material próprio. O resumo da mensagem cristã é: “Não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura daquela está para vir” (Hb 13, 14).

FAMÍLIA - TRABALHO - SILÊNCIO

          Essas três palavras caracterizam a vida do grande protetor da Sagrada Família, do patrono dos trabalhadores, o homem da obediência e do silêncio: São José, cuja festa celebraremos amanhã.
José é um nome hebraico, cujo significado é “aumento, acréscimo, Deus dê aumento” (Gn 30,24). E que belo nome! Nome honrado, sobretudo por dois grandes personagens bíblicos: no Antigo Testamento, José, o grande provedor do Egito, vendido pelos irmãos e depois vice-rei, figura de Jesus Cristo, e no Novo, São José, esposo da Virgem Maria e pai adotivo de Jesus.
São José era de família nobre, a família real de Davi. Se a sua família ainda estivesse reinando, ele seria um príncipe. Mas a sua nobreza veio principalmente por ter sido escolhido para esposo e guarda da honra daquela que viria a ser a mãe do Filho de Deus feito homem.
Quando ele tinha apenas desposado Maria, primeira parte do casamento hebraico, mas antes de recebê-la em casa, ocorreu a Anunciação e a Encarnação do Filho de Deus. Maria objetou ao Anjo mensageiro a impossibilidade de ter um filho, pois “não conhecia varão” (Lc 1,34), isso apesar de ser noiva de José, o que claramente indica o seu voto de virgindade, de pleno conhecimento do seu futuro esposo. O Anjo, da parte de Deus, lhe garantiu que a concepção daquele filho não seria por obra humana, mas sim “por virtude do Espírito Santo” (Mt 1,18). O próprio José, em sonho, foi advertido pelo anjo do que ocorrera. E ele teria como missão ser o guarda daquela Virgem Mãe e pai nutrício daquele Filho, que era realmente o Filho de Deus. E Jesus lhe dava o nome de pai, sendo conhecido como “o filho do carpinteiro” (Mt 13,55), tido por todos “como sendo filho de José” (Lc 3,23).
São José protegeu a Sagrada Família, sobretudo na fuga para o Egito, quando da perseguição de Herodes ao Menino Jesus. Como chefe e protetor da Sagrada Família, ele se tornou o patrono de todas as famílias. E seu modelo de amor, humildade, paciência e obediência a Deus. : “Do exemplo de São José chega a todos um forte convite a desenvolver com fidelidade, simplicidade e modéstia a tarefa que a Providência nos designou” (Bento XVI).
São José é também o padroeiro dos trabalhadores porque, como carpinteiro, sustentava a Sagrada Família com o seu suor e o trabalho de suas mãos. A festa de São José, como padroeiro dos trabalhadores, se comemora no dia 1º de maio, dia do trabalho. Antes havia uma festa para honrar o Patrocínio de São José, ou seja, sua proteção, seu amparo. Daí o nome muito comum a pessoas e cidades, Patrocínio e José do Patrocínio, em honra do patrocínio de São José.
Tendo tido a mais bela das mortes, pois morreu assistido por Jesus, que ainda não tinha começado a sua vida pública, e por Maria Santíssima, São José é invocado como padroeiro dos moribundos e patrono da boa morte.
            O Papa Pio IX proclamou São José patrono da Igreja, que é a família de Deus. Por tantos gloriosos motivos, São José faz jus à honra e à devoção especial que lhe tributamos. 

A IGREJA E A POLÍTICA

         O tema da Campanha da Fraternidade desse ano “Fraternidade: Igreja e Sociedade”, com o lema “Eu vim para servir” (cf. Mc 10, 45), é ocasião para se tratar da política, o que pode levar alguns setores da sociedade a pensarem que a Igreja entrou na batalha política, e, pior, favorece a linha socialista e os partidos de esquerda. Faz-se necessário, por isso, recordar alguns princípios esclarecedores do porquê e como a Igreja entra na política.
Segundo Aristóteles, “o homem é por natureza um animal político, destinado a viver em sociedade” (Política, I, 1,9). E Santo Tomás de Aquino cunhou o termo bem comum, ou bem público, que é o bem de toda a sociedade, dando-o como finalidade do Estado.
Na doutrina social da Igreja, Política é “uma prudente solicitude pelo bem comum” (S. João Paulo II, Laborem exercens, 20). “A comunidade política existe, portanto, em vista do bem comum; nele encontra a sua completa justificação e significado e dele deriva o seu direito natural e próprio. Quanto ao bem comum, ele compreende o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” (Gaudium et Spes, 74 – cf. S. João XXIII, Mater et Magistra).
A Igreja está ao serviço do Reino de Deus, anunciando o Evangelho e seus valores, e “não se confunde com a comunidade política nem está ligada a nenhum sistema político” (Gaudium et Spes, 76). Mas os cristãos participam na vida pública como cidadãos. “Os fiéis leigos não podem de maneira nenhuma abdicar de participar na ‘política’, ou seja, na multíplice e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover de forma orgânica e institucional o bem comum” (S. João Paulo II, Christifideles laici, 42).
“Reconhecendo muito embora a autonomia da realidade política, deverão se esforçar os cristãos solicitados a entrarem na ação política por encontrar uma coerência entre as suas opções e o Evangelho” (Paulo VI, Octogesima Adveniens, 46).
Mas é preciso respeitar os campos de ação e a competência.
A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política... não pode nem deve se colocar no lugar do Estado. Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça... não poderá firmar-se nem prosperar” (Papa Bento XVI, Deus caritas est, n. 28).
Este trabalho político não é competência imediata da Igreja. O respeito de uma sã laicidade – até mesmo com a pluralidade das posições políticas – é essencial na tradição cristã autêntica. Se a Igreja começasse a se transformar diretamente em sujeito político, não faria mais pelos pobres e pela justiça, mas faria menos, porque perderia sua independência e sua autoridade moral, identificando-se com uma única via política e com posições parciais opináveis. A Igreja é advogada da justiça e dos pobres, precisamente ao não identificar-se com os políticos nem com os interesses de partido. Só sendo independente pode ensinar os grandes critérios e os valores irrevogáveis, orientar as consciências e oferecer uma opção de vida que vai além do âmbito político” (Bento XVI, Aparecida, 13-5-2007, Disc. Inaug. do CELAM).
“Não cabe aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na organização da vida social. Essa tarefa faz parte da vocação dos fiéis leigos, que agem por própria iniciativa com seus concidadãos” (Catecismo da Igreja Católica n° 2442).
Não cabe à Igreja formular soluções concretas – e muito menos soluções únicas – para questões temporais, que Deus deixou ao juízo livre e responsável de cada um, embora seja seu direito e dever pronunciar juízos morais sobre realidades temporais, quando a fé ou a lei moral o exijam” (Nota doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a participação e comportamento dos católicos na vida política, n° 3).

Vem a calhar a solução de Santo Agostinho: “Em questão de princípios, unidade. Nas questões discutíveis e opináveis, liberdade. Em todas as coisas, caridade”.

A MULHER, CORAÇÃO DA FAMÍLIA

              Domingo próximo, dia 8, será o dia internacional da mulher, razão de falarmos da dignidade especial daquela que é o coração da família. Sua dignidade há que ser ressaltada, pois a crise atual da família atinge especialmente a mulher. “Na nossa época, o matrimônio e a família estão em crise. Vivemos numa cultura do provisório, na qual cada vez mais pessoas renunciam ao matrimônio como compromisso público. Esta revolução nos costumes e na moral agitou com frequência a ‘bandeira da liberdade’, mas na realidade trouxe devastação espiritual e material a numerosos seres humanos, de maneira especial aos mais vulneráveis. É cada vez mais evidente que o declínio da cultura do matrimônio está associado a um aumento de pobreza e a uma série de numerosos outros problemas sociais que atingem em medida desproporcional as mulheres, as crianças e os idosos. E são sempre eles quem mais sofre nesta crise” (Papa Francisco, Discurso aos participantes no encontro internacional sobre a complementaridade entre homem e a mulher, 17/11/2014).
Foi o cristianismo que salvou a dignidade da mulher! A história, nos testemunhos de Juvenal e Ovídio, nos conta que a moral sexual e a fidelidade conjugal, antes do cristianismo, estavam em extrema degradação. Constatamos isso, vendo atualmente a situação da mulher nos povos que não têm o cristianismo. No começo do século II, Tácito afirmava que uma mulher casta era um fenômeno raro. Galeno, o médico grego do século II, ficava impressionado com a retidão do comportamento sexual dos cristãos. Os próprios historiadores são obrigados a confessar que foram os cristãos que restauraram a dignidade do matrimônio.
            O cristianismo estendeu o conceito de adultério também à infidelidade do marido, pois no mundo antigo ele só se limitava à infidelidade da esposa. O cristianismo santificou o matrimônio, elevando-o à ordem de sacramento, proibindo o divórcio, que prejudica, sobretudo, a mulher. O cristianismo, ao contrário da mentalidade machista, iguala o pecado do homem e da mulher: o sexto e o nono mandamentos valem igualmente para os dois.
            As mulheres encontraram na Igreja, conforme a sua própria condição, seu lugar digno: foi-lhes permitido formar comunidades religiosas dotadas de governo próprio, dirigir suas próprias escolas, conventos, colégios, hospitais e orfanatos, coisa impensável no mundo antigo (cf. Thomas E. Woods Jr, “Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental”).
           O homem e a mulher são seres humanos, em grau igual, ambos criados à imagem de Deus. Mas, “a igualdade de dignidade não significa ser idêntico aos homens. Isso só empobrece as mulheres e toda a sociedade, deformando ou perdendo a riqueza única e valores próprios da feminilidade. Na visão da Igreja, o homem e a mulher foram chamados pelo Criador para viver em profunda comunhão entre si, conhecendo-se mutuamente, para dar a si mesmos e agir em conjunto, tendendo para o bem comum com as características complementares do que é feminino e masculino” (S. João Paulo II, Mensagem sobre a mulher, 26/5/1995).