Levados pelo legítimo desejo de conservar a riqueza
litúrgica do rito tradicional e chocados, com razão, em sua fé e piedade com os
abusos, sacrilégios e profanações a que deu azo a reforma, os católicos da
linha tradicional, não querendo ver a “liturgia transformada em show” nem
querendo compartilhar com erros e profanações que viam, apegaram-se
legitimamente às formas tradicionais da liturgia.
Por isso, merecem toda a nossa
compreensão, nossos louvores e nosso apoio todos os que lutam pela preservação
da Liturgia na sua forma tradicional.
Por isso também, tem todo o nosso
aplauso o tão desejado Motu Próprio do Papa Bento XVI concedendo liberdade
universal para a Missa no rito romano tradicional, o que será um benefício para
toda a Igreja. O Cardeal George, Arcebispo de Chicago, afirma que a Missa de
São Pio V é “uma fonte preciosa de compreensão
litúrgica para todos os outros ritos... Esta liturgia pertence à Igreja inteira
como um veículo do espírito que deve se irradiar também na celebração da
terceira edição típica do missal romano atual...” (Cf. citação completa na nota
47, abaixo).
Por todos esses motivos, também em nossa Administração
Apostólica, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé,
conservamos o rito da Missa na sua forma tradicional, isto é, a antiga forma do
Rito Romano, como o fazem igualmente muitas congregações religiosas, grupos e
milhares de fiéis em todo o mundo. Nós a amamos, preferimos e conservamos por
ser, para nós, melhor expressão litúrgica dos dogmas eucarísticos e sólido
alimento espiritual, pela sua riqueza,
beleza, elevação, nobreza e solenidade das cerimônias, pelo seu senso de
sacralidade e reverência, pelo seu sentido de mistério, por sua maior precisão e rigor nas rubricas, apresentando
assim mais segurança e proteção contra
abusos, não dando espaço a “ambigüidades, liberdades, criatividades,
adaptações, reduções e instrumentalizações”, como lamenta o Papa João Paulo II.
E a Santa Sé reconhece essa nossa adesão como perfeitamente legítima.
Assim, por ser uma das riquezas
litúrgicas católicas, exprimimos através da Missa na sua forma tradicional o
nosso amor pela Santa Igreja e nossa comunhão com ela.
Ademais, não arrefeceu e continua
o nosso combate contra as heresias litúrgicas
como a negação da presença real de Cristo na Eucaristia, a transformação da
Missa numa simples ceia, a negação ou o encobrimento do caráter sacrifical e
propiciatório da Santa Missa, a confusão entre o sacerdócio ministerial e o
sacerdócio comum dos fiéis, a dessacralização da sagrada Liturgia, a falta de
veneração, de adoração e de modéstia nos trajes no culto divino, a mundanização
da Igreja, etc.
E a esses erros nós resistimos
sempre, venham de onde vierem. A doutrina da resistência continua a mesma:
"Se um anjo do Céu, ou nós mesmos, vos ensinar um Evangelho diferente
daquele que vos pregamos, seja anátema" (São Paulo aos Gálatas 1,8). Esta
nossa posição doutrinária foi e continua sendo a mesma que sempre sustentamos.
Falamos acima sobre os verdadeiros
e sadios motivos que levaram e levam grande número de católicos ao legítimo
amor e preferência pela riqueza litúrgica do rito tradicional e, portanto, à
sua conservação.
Mas, há que se reconhecer e
lamentar que, às vezes, em sua adesão e resistência, fizeram-se críticas
ilegítimas à reforma litúrgica e se foi
além dos limites permitidos pela doutrina católica.
Muitas vezes, na ânsia de
defender coisas corretas e sob pressão dos ataques dos opositores, mesmo com
reta intenção podem-se cometer erros e exageros que, após um período de maior
reflexão, devem ser retificados e corrigidos. São
Pio X comentava que no calor da batalha é difícil medir a precisão e o alcance
dos golpes. Daí acontecerem faltas ou excessos, compreensíveis, mas incorretos.
Erros podem ser compreendidos e
explicados, mas não justificados. Santo Tomás de Aquino nos ensina: “Não se
pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção”.
Por essa razão, em carta
ao Papa de 15/8/2001, os sacerdotes da antiga União Sacerdotal São João Maria
Vianney, agora constituída pelo Papa em Administração Apostólica, escreveram:
"E se, por acaso, no calor da batalha em defesa da verdade católica,
cometemos algum erro ou causamos algum desgosto a Vossa Santidade, embora a
nossa intenção tenha sido sempre a de servir à Santa Igreja, humildemente
suplicamos o seu paternal perdão".
É preciso sempre ajustar a prática com os princípios que
defendemos. Se reconhecemos as autoridades da Igreja é preciso respeitá-las
como tais, sem jamais, ao atacar os erros, desprestigiá-las. Se houve algum
erro ou exagero no passado quanto a isso, não há nada de mais em se corrigir o
erro. Os princípios, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição aos erros
condenados pela Igreja continuam os mesmos. O que é preciso é evitar as
generalizações, ampliações e atribuições indevidas e injustas. A justiça e a
caridade, mesmo no combate, são imprescindíveis. Se houve alguma falha também
nesse ponto, corrigir-se não é nenhum desdouro. Afinal, errar é humano, perdoar
é divino, corrigir-se é cristão e perseverar no erro é diabólico.
Assim, jamais se pode usar a
adesão à Liturgia tradicional em espírito de contestação à autoridade da Igreja
ou de rompimento de comunhão. Há que se conservar a adesão à tradição litúrgica
sem pecar contra a sã doutrina do Magistério e sem jamais ofender a comunhão
eclesial. Como escrevi na minha primeira mensagem pastoral de 5 de janeiro de
2003: “Conservemos a Tradição e a Liturgia
tradicional, em união com a Hierarquia e o Magistério vivo da Igreja, e não em
contraposição a eles”.
Esses limites, impostos pela teologia católica às reservas
e críticas, nos impedem, por exemplo, de dizer que o Novus Ordo Missae, a Missa
promulgada pelo Santo Padre Paulo VI, seja heterodoxa ou não católica. A sua
promulgação (forma, no sentido
filosófico) é a garantia contra qualquer irregularidade doutrinal que pudesse
ter havido na sua confecção (matéria), embora ela possa ser melhorada na sua
expressão litúrgica. E é a sua promulgação oficial, e não o modo de sua confecção,
que a torna um documento do Magistério da Igreja...
Ademais
isso não vem significar absolutamente que estejamos aprovando abusos e
profanações que ocorrem até com certa frequência em Missas celebradas no novo
rito. Estamos falando do rito em latim tal qual foi promulgado pelo Santo Padre
Paulo VI e aprovado pelos seus sucessores. E uma eventual participação em
missas do novo rito não significa aprovação de quaisquer abusos lamentados pelo
Papa, que ali possam ocorrer...
Bem acertadamente escreveu um escritor católico da
atualidade, Dr. Michael Davies, grande defensor da Missa tradicional e de
grande renome nos meios tradicionalistas: “Alegações têm sido feitas dentro do
movimento tradicionalista de que a Nova Missa não foi apropriadamente promulgada
conforme as normas do Direito Canônico, de que ela não é a Missa oficial da
Igreja Católica, de que assistindo a ela não se cumpre o preceito dominical, de
que ela é ruim, má, ou mesmo intrinsecamente má. Visto que o Papa Paulo VI era um verdadeiro papa, e
que o Missal de 1970 constitui o que é conhecido como uma lei disciplinaria
universal, tais alegações são completamente insustentáveis em vista da doutrina
da indefectibilidade da Igreja. Nenhum papa verdadeiro poderia impor ou mesmo
autorizar para o uso universal um rito litúrgico que fosse em si mesmo
prejudicial aos fiéis. As alegações completamente insustentáveis a que me
referi explicam uma atitude perturbadora que prevalece em certas secções do
movimento tradicionalista nos quais atacar o Missal de 1970 (de Paulo VI)
parece obter prioridade sobre a conservação do de 1570 (Missal de São Pio V).
Não ha nenhuma esperança possível de um reconhecimento do Vaticano ser
estendido a padres que sustentam essas hipóteses insustentáveis, fato que não
parece perturba-los. Nem eles parecem se perturbar com o fato de que tais
teorias não são endossadas por nenhum teólogo qualificado fora do movimento
tradicionalista, ou que o consenso de opinião dentro do movimento as rejeita.
Alguns desses padres não duvidam imaginar que alguém não pode ser um verdadeiro
tradicionalista sem aceitar que a Nova Missa seja má. A documentação que segue
(no seu livro) seria suficiente para provar que de fato aqueles que adotam esta
posição é que não podem se considerar católicos tradicionais, pois defender
que um rito sacramental aprovado pelo
Romano Pontífice é mau é totalmente incompatível com o ensinamento tradicional
da Igreja”.
(Trechos
da Orientação Pastoral O Magistério Vivo da Igreja – Dom Fernando Arêas Rifan).
EXPLICAÇÃO
SOBRE AS AFIRMAÇÕES E ATITUDES NO PERÍODO DE EXCEÇÃO.
Naquela difícil situação na qual sofremos perseguições e injúrias,
houve também da nossa parte comportamentos e afirmações dissonantes das normas
e ensino da Igreja, das quais já nos penitenciamos e que corrigimos. Tais
exageros e atitudes erradas com relação ao Magistério e à hierarquia da Igreja
infelizmente serviram para aumentar a separação entre nós e a autoridade
diocesana, provocando suas penas canônicas e destituições. Essas afirmações e
atitudes, - estávamos em outras circunstâncias e em outro contexto diferente do
atual -, devemos examina-las e retifica-las à luz do Magistério perene e vivo
da Igreja, que é o critério de verdade, ortodoxia e comportamento para o
católico. Se hoje, comparada com as anteriores, mudamos
alguma atitude nossa, foi para nos adequarmos às orientações do Magistério. Alguns podem erroneamente pensar que o que foi feito, dito ou
vivido num período de exceção e irregularidade seja o ideal e o normal para um
católico. Não! O normal para todo católico é viver de acordo com o Magistério
vivo da Igreja, unido e submisso à sua hierarquia. Não se pode apelar para
aqueles antigos comportamentos ou afirmações dissonantes do Magistério, como
argumento de terem sido adotados antes, como se tais atitudes ou afirmações
fossem os únicos critérios de verdade, infalíveis e nunca passíveis de correção
e melhor expressão. Quantos santos, mesmo doutores da Igreja, não erraram em
doutrina e em comportamento! Por isso, nos ensina Santo Tomás de Aquino que
“devemos nos apoiar, antes, na autoridade da Igreja do que na de Agostinho, de
Jerônimo ou de qualquer outro doutor” (Summa
Theologica, II-II, q. 10, a. 12).
A maioria desses erros era cometida não pela falta de reta
intenção, mas pela má direção nos ataques, porque hoje continuamos a combater
esses erros, agora, porém, na direção correta. É preciso sempre ajustar a
prática aos princípios que defendemos. Se reconhecemos as autoridades da
Igreja, é necessário respeitá-las como tais, sem jamais, ao atacar os erros,
desprestigiá-las. Os princípios, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição
aos erros condenados pela Igreja continuam os mesmos. O que se deve evitar são
as generalizações, ampliações e atribuições indevidas e injustas. Muitas vezes, na ânsia de defender coisas
corretas e sob pressão dos ataques dos opositores, mesmo com reta intenção
podem-se cometer erros e exageros que, após um período de maior reflexão, devem
ser retificados e corrigidos. Erros podem ser compreendidos e explicados, mas
não justificados.
(Trecho do
livro SEMENTES – Dom Fernando Arêas Rifan)