“Parece-me que não havia coisa mais desagradável do que ver a
diversidade das cerimônias com que se celebravam a Missa. Uns começavam o santo
sacrifício pelo Pater noster; outros, enquanto se revestiam da casula,
recitavam o Introibo. Lembro-me de que, um dia, estando em
Saint-Germain-en-Laye, notei que sete ou oito padres celebravam a Missa de modo
diferente: um fazia de um modo, outro de modo diverso; era uma variedade que
provocava lágrimas”.
Assim descrevia São Vicente de Paulo (1581-1660) os abusos
litúrgicos de sua época, que ele procurou corrigir. Estamos nos séculos XVI e
XVII, portanto, depois da reforma litúrgica feita por São Pio V, em cumprimento
do estabelecido pelo Concílio de Trento.
Nesse tempo, explica o livro da vida de São Vicente, também em
consequência das guerras de religião demorou a entrar em prática a disciplina
eclesiástica estabelecida pelo Concílio Tridentino. “O relaxamento do clero era
deplorável... praticavam mal as cerimônias dos sacramentos... muitos padres não
usavam batina, nem hábito eclesiástico para celebrar a Missa, e ministravam os
sacramentos em traje secular”.
São Paulo apóstolo (1 Cor 11) invectivava contra os abusos
litúrgicos que já havia entre os primeiros cristãos. Portanto, não são
exclusividade da nossa época. Mas a fé e o respeito devidos à Eucaristia nos
impelem a não nos conformarmos com esses desmandos.
O Cardeal Virgílio Noé, cerimoniário da Santa Sé, explicou que,
com a célebre expressão “fumaça de Satanás no templo de Deus”, Paulo VI se
referia aos abusos litúrgicos pós-conciliares: “A fumaça de Satanás não era
outra coisa que a mentalidade que queria distorcer as regras tradicionais e litúrgicas
da cerimônia Eucarística... Ele condenava o espírito de protagonismo e delírio
de onipotência que se seguiram à liturgia do Concílio” (14/5/2008).
O Cardeal Joseph Ratzinger, hoje o Papa emérito,
dizia: “a crise eclesial, na
qual nos encontramos hoje, depende em grande parte do desmoronamento da
Liturgia” (La mia vita, pag. 113). O Papa São João Paulo II na Encíclica Ecclesia
de Eucharistia escreve: “Não há dúvida que a reforma litúrgica do Concílio
trouxe grandes vantagens... A par destas luzes, não faltam sombras,
infelizmente... Num contexto eclesial ou outro, existem abusos que contribuem
para obscurecer a reta fé e a doutrina católica acerca deste admirável
sacramento. Às vezes transparece uma compreensão muito redutiva do mistério
eucarístico. Despojado do seu valor sacrifical, é vivido como se em nada
ultrapassasse o sentido e valor de um encontro fraterno ao redor da mesa... A
Eucaristia é um dom demasiado grande para suportar ambiguidades e reduções...”
(n. 10). “Temos a lamentar, infelizmente, que, sobretudo a partir dos anos da
reforma litúrgica pós-conciliar, por um ambíguo sentido de criatividade e
adaptação, não faltaram abusos, que foram motivo de sofrimento para muitos...”
(n. 52). “O mistério eucarístico – sacrifício, presença, banquete – não permite
reduções nem instrumentalizações...” (n. 61).
Gostei do post. Que o bom Deus ilumine o nosso clero e o nosso episcopado.
ResponderExcluirExcelência peço sua benção. Eu gostaria de adquirir a fonte donde tirastes a passagem da vida de São Vicente, pois não achei nada parecido. Ela me ajudaria a ter uma noção partindo de uma testemunha ocular, de que todo concílio demora a ser posto em prática plenamente.
ResponderExcluirSerá de muita ajuda. E agradeço, pelo artigo, muito instrutivo.
Muito bom!
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